RAÍZES METAFÍSICAS DO ABORTO
Ogeni Luiz Dal Cin*
As metafísicas abortistas rompem com a razão natural da pessoa humana e com a sacralidade da vida. Ora adotam a matéria empírica como única realidade e o ser humano, sem capacidade de transcender-se, apenas uma forma de expressão da matéria mais auto-organizada, ora entregam o homem, ferido e incapaz, ao abandono de si mesmo, uma vez que Deus está distante e indiferente com o seu destino, ora resvalam para a facilitação das “Teologias da Prosperidade”, onde a ostentação do ter é sinal da predileção divina e o ser se obnubila. Nas três concepções, a vida humana, antes do nascimento, não é valor transcendente e a relatividade absoluta submete a vida do nascituro.
Quando a base é religiosa, nos termos acima, o homem, considerando-se abandonado por Deus, sente-se, em compensação, onipotente ao poder dispor da vida dos inocentes nascituros em prol dos nascidos. Crêem que Deus também não se importa com o destino dos que não nasceram ainda, pois a religião é, neste sentido, antes de tudo, a medida do homem só e não sua ligação comunitária com um Deus pessoal que o ama. Neste caso, a ação abortista é a conseqüência do sentimento de ter sido abandonado por Deus e o meio que resta em suas mãos permite-lhe decidir quem habitará a Terra, pois Deus teria abdicado de tal empreitada, facultando-se, então, escolher quem pode e quem não pode nascer. É a revolta do homem querendo ser Deus, para chegar à terra que o homem se prometeu.
Dessa forma, nem toda vida humana é obra-prima de Deus, quebrando, assim, a universalidade da natureza humana, pois Deus abandonou o nascituro à vontade dos adultos, não sendo mais o Deus dos que estão por nascer, apenas dos já nascidos.
Já os adeptos da auto-suficiência da matéria para tudo justificar, inclusive a vida em todas as dimensões, agem em diversas frentes: o nazifascismo, o marxismo e o liberalismo individualista. Este não admite nada e além do homem, pois tudo o que se admitir será necessariamente uma diminuição do próprio homem. Senhor, Juiz e última instância para tudo, o homem dispõe de todos os poderes, incluindo o de matar os nascituros. A religião e o Estado só podem existir enquanto não atrapalhem os desejos, as vontades e os interesses dos que detêm poder, pois o Estado é destinado a propiciar a expansão do reino da individualidade. Quanto mais individuais e independentes, os homens, senhores de si e de seus bens, não podem encontrar limites nas suas vontades e nos seus direitos individuais, nem mesmo na busca do prazer. A sociedade se atomiza na composição de indivíduos independentes e auto-suficientes que disputam o Estado para legalizarem seus interesses.
Rousseau fora leitura obrigatória, de cabeceira, de Marx. Marx busca por outros caminhos o mesmo fim dos individualistas. Discordâncias de meios, não de fim, nem de metafísica filosófica.
O marxismo fecha toda a realidade na matéria considerada dialética em si mesma, cuja expressão máxima é o homem social, produto das relações sociais e do determinismo econômico. Ligados ao homem, nascem os termos determinismo e produto. O homem é feito depois de nascer, pelas relações sociais e econômicas que o envolve. O aborto, portanto, é conseqüência do determinismo econômico e das relações sociais do momento histórico. O homem não tem uma natureza própria, pois a única natureza é a matéria em suas diversas manifestações dialéticas. A passagem para o reino da individualidade, a páscoa marxista, será através da ditadura do proletariado que estabelecerá a igualdade entre todos e daí virá o reino do individualismo que não mais quebrará a igualdade social. Os valores e a própria dignidade da pessoa humana são meras emanações da superestrutura que mantém o status quo, devendo ser destruídas para dar lugar à nova sociedade, a terra prometida. Assim, os direitos que temos são e os novos também sempre serão transitórios, pois dependem da resultante histórica da evolução dialética da matéria, ou seja, metafisicamente, não somos sujeitos, sempre produtos do determinismo.
O nazifascismo também herda de Hegel a concepção de um Estado deificado, muito superior a cada homem que dele faz parte. O Estado representa o grau máximo da evolução de toda a realidade existente e detém, por isso, o monopólio dos valores e dos direitos. Tudo para o Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado. As experiências com a vida humana em laboratório, como se esta fosse objeto da ciência à custa da própria vida, começaram com Hitler e prosseguem com os defensores do aborto. Paradoxalmente, muitos dos que condenam o holocausto de Hitler aceitam, ao mesmo tempo, o holocausto dos inocentes nascituros, porque seguem a mesma filosofia da morte. O fundamento é o mesmo, os interesses é que são diferentes.
Sem superar as metafísicas do aborto, em todas as suas nuances, a Democracia e toda a convivência humana estão ameaçadas. A paz, os valores humanos ônticos, os direitos, a justiça e a solidariedade estão todos em perigo. Condenar o aborto é uma questão de sobrevivência da humanidade, com amor e dignidade.
* O autor é filósofo e advogado.
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