Primeira reunião - Grupo de trabalho da Lei 122/2006 -Lei contra Homofobia
Por Maite Schneider
08 de abril de 2007
A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Boa tarde a todos. Alguns Senadores ainda não estão presentes, mas devemos iniciar osnossos trabalhos. Em primeiro lugar, quero agradecer a presença dos nossos convidados,Sr. Caio Varela, Deputado Henrique Afonso, Pe. Cláudio Antonio Delfino, Sr.Toni Reis, representante da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas eTransgêneros. Informo primeiramente que convidamos também a Drª Miriam Abramovay, daUnesco, e o Dr. Célio Borja, que ontem nos avisou que não poderia vir. Gostaríamos de conversar um pouco sobre a metodologia do nossotrabalho, uma vez que essa é a primeira reunião do grupo. Estamos gravandoa nossa reunião para que tenhamos um registro de todo o nosso trabalho. Aidéia é que ouçamos cada um dos convidados, por 15 min., para que ossenhores levantem os seus questionamentos com relação ao Projeto de Lei nº122/2006. A expectativa é que, no decorrer dos nossos trabalhos,esclareçamos as dúvidas surgidas. Queremos trabalhar de forma a podermosapresentar esse relatório com a maior brevidade possível na Comissão deDireitos Humanos. Essa é apenas a primeira rodada e estamos dispostos afazer tantas quantas forem possíveis no grupo de trabalho. Concedo a palavra ao Pe. Cláudio Antonio Delfino. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Prefiro ouvir primeiro. A SRª PRESIDENTE (Fátima Cleide. PT - RO) - Concedo, então, a palavraao Deputado Henrique Afonso. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - Senadora Fátima Cleide, não é bomser o primeiro nem o último. Estamos diante de um projeto de lei que traz algumas questões sobre asquais precisamos refletir muito na sociedade brasileira. Em primeiro lugar, quero salientar de que estou totalmente desprovido,desvencilhado de qualquer manifestação de preconceito, discriminação eracismo. Isso é fundamental que se diga de início neste debate, até porquese não fosse assim... A SRª PRESIDENTE (Fátima Cleide. PT - RO) - ...não estaríamos aquisentados. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - ...não apresentaríamos absolutamenteo espírito republicano, democrático em um debate da maior seriedade para asociedade brasileira. Vou apresentar aqui o pensamento de um segmento que consideramosimportante na sociedade brasileira. Acredito que estou representando aqui,como Parlamentar, Senadora, os evangélicos do Brasil, e dificilmente aparticipação em um debate como esse seria desvinculada de uma visão demundo, de uma visão de homem, de uma concepção ética, moral e filosófica.Do contrário, esse grupo de trabalho absolutamente justificaria, porqueesta Casa, e isso precisamos compreender, representa a sociedadebrasileira, e não posso ser o Deputado Henrique Afonso deixando o quenorteia a minha vida, os princípios, as diretrizes que são efetivamente apalavra de Deus. Viemos trazer aqui um pensamento e os fundamentos com osquais estamos analisando esse PL. Não me traria aqui também, Senadora, a tramitação desse projeto noâmbito da Câmara Federal, porque agora estamos diante de um debate que estácircunscrito no Senado Federal, e a contribuição que podemos dar é umareflexão, uma colaboração. Acredito que há um movimento instalado no Brasil dos gays, daslésbicas, dos homossexuais que buscam estabelecer alguns direitosfundamentais para esses segmentos, mas esses direitos verdadeiramente seconfrontam com algumas concepções. Representando uma dessas concepções,estamos envolvidos também neste debate com a intensidade que ele merece. Esse projeto de lei criminaliza qualquer ato de preconceito, qualquerato de discriminação. Evidentemente temos que lutar por isto: pelacriminalização dos preconceitos e da discriminação. Temos, no entanto, noâmbito da Constituição Federal, no art. 5º, incisos IV e VI, a garantia daliberdade de pensamento, da liberdade de crenças religiosas, e isso tambémprecisa ser observado. Ao mesmo tempo em que os homossexuais procuram nesseprojeto assegurar a criminalização por um ato discriminatório, pelo fato deeles estarem tendo uma relação afetiva, seja em praça pública, seja emfrente a uma igreja ou em qualquer outro local, fico imaginando também comoé que vamos tratar a liberdade de uma pessoa que professa a suareligiosidade, que não concebe, dentro dos seus valores éticos, morais ereligiosos, essa prática como correta. Esse é um aspecto que precisamosobservar. Senadora, quero aqui levantar algumas preocupações e espero que, deforma republicana e democrática, possamos nos debruçar sobre elas. Já temosassegurado, e o projeto de lei também nos assegura isso, a penalidade emcaso de qualquer discriminação religiosa. Fico imaginando que, seaprovarmos esse projeto de lei aqui no Senado, e gostaria de trazer à bailaessa reflexão, ou vamos ter que proibir o uso da Bíblia ou retirar ocapítulo XVIII, do Livro de Levítico, ou o Livro de Levítico por inteiro.Isso é impossível para os religiosos! Nas Epístolas de Paulo,essencialmente no Livro de Romanos e no Livro de Coríntios, e certamente opróprio movimento deve ter conhecimento disso, pois não há novidade nessedirecionamento, há um posicionamento muito firme com relação à garantia dodireito de professarmos a nossa religiosidade. Estou levantando aqui algumas questões. Esse projeto de lei poderáimplicar, de forma conflitante inclusive, com direitos constitucionaisimportantíssimos. Em segundo lugar, quero me reportar à questão da homofobia.Atualmente, na verdade - e é importante que ressaltemos isso -, qualquer umque se atreva a se manifestar contra a união civil, contra outras bandeirasde luta do movimento tem sido perseguido, tem sido vitimado também pelopróprio preconceito. Senadora, temos um ofício que chegou às mãos do movimento no Estado doAcre, inclusive com manifestações em São Paulo, no qual colocávamos, e aquidigo isso com muita precisão, que nós, cristãos, consideramos que a questãodo casamento do homem com o homem desfigura o nosso conceito de família.Esse é um pensamento, é um pensamento que precisa ser respeitado, mas fuichamado até de Hitler. Tenho vinte anos de história. O Senador GeraldoMesquita, que está aqui, conhece uma boa parta da minha história. Minhahistória não tem um traço de preconceito, de discriminação a ninguém,absolutamente. Sou muito firme nos meus posicionamentos, inclusive hojeestou sendo denunciado no PT. É um direito do movimento, inclusive dosetorial do próprio Partido dos Trabalhadores, pedir um posicionamento doPartido e a retratação do Deputado Henrique Afonso diante de um tema quepara nós precisa de um aprofundamento e de uma compreensão. O preconceitovem com o conceito formado antes de se conhecer algo ou alguém. Então,precisamos observar que, do mesmo modo que o movimento tem o direito de searticular, de defender os seus posicionamentos com a maior diligência efirmeza, também deve respeitar o contraditório. É assim que a sociedadedemocrática vai se confirmando, e é bom que se diga que nós, cristãos demaneira geral, e aqueles mais ortodoxos - ou tradicionalistas, como queiramchamar, ou observadores, agora é isso -, que nos manifestamos contra aunião civil dos homossexuais somos considerados retrógrados, conservadores,na literalidade das palavras. É preciso que o movimento saiba o que defendemos. Temosposicionamentos firmes. Chamar esse projeto de lei de um projeto de leicontra a homofobia é minimizá-lo. Coloco isso sem deixar de lembrar quesomos a favor dos direitos dos homossexuais. Aliás, com a definição de ummarco regulatório específico para os homossexuais há também a criação de umproblema jurídico, porque tais situações já estão incluídas dentro dosdireitos individuais. Já estão atendidos no âmbito da nossa legislação odireito de serem respeitados, de terem a sua integridade física assegurada,de absolutamente nenhum cidadão ter o direito de achincalhá-los ou deviolar o seu direito de participar de um concurso ou de trabalhar. Aliás, oBrasil, é bom que se diga, avançou muito no âmbito dessa sociedadecapitalista. Hoje quem pode dizer que os homossexuais, e aqui estou falandodentro de linhas gerais, mas sei que existem exceções, estão sendodiscriminados com relação à participação em concursos públicos, com relaçãoà sua privacidade, seja no motel, seja na sua casa, enfim, com relação àsua opção sexual, com relação à garantia de sua característica, à suaprática, ao seu comportamento? É bom que se coloque isso. Estão noschamando a impor ao Estado brasileiro a legitimidade de comportamentos, depráticas que verdadeiramente vão conflitar com a maioria da sociedade. O movimento dos homossexuais já conquistou grandes avanços no âmbitoda sociedade moderna. Do pouco da história que conhecemos das bandeiras dosmovimentos libertários dos homossexuais, sabemos que o Estado, na verdade,era um aparelho repressor dessas manifestações, mas atualmente essaparticipação está garantida por um Estado verdadeiramente indiferente,neutro e que absolutamente tem colocado cavalos de batalha contra. Vejo compreocupação o fato do Estado brasileiro hoje impor leis ou proibindo essaprática ou liberando. Vamos ter problemas. O inciso VIII deste projeto delei, por exemplo, garante a liberdade de expressão da afetividade docidadão homossexual. Isso para mim, para nós, cristão, é uma questãocentral, e quero colocar isso aqui com muita tranqüilidade, observando queprecisamos pensar bem. Estou aqui em um grupo de trabalho para trabalhar. Esse é um projeto de lei que aborda questões importantes e esperamosque não saiamos daqui dizendo que o Deputado Henrique Afonso ou quequalquer outra pessoa que aponte questões que consideramos que precisam serrepensadas como inimigos, como objeto de perseguição. Tenho recebidodocumentos que colocam que aqueles com coragem para enfrentar o movimentodos homossexuais se preparem para ser perseguidos. A questão não é essa. Seo movimento já tem como bandeira a luta contra a discriminação e opreconceito, cabe ao movimento conviver inclusive com posições queconsideram conservadoras. Sou uma pessoa muito aberta do ponto de vistademocrático. Fui criado na educação republicana e venho para esse grupo detrabalho para participar de um debate claro e honesto, sem necessidade depublicamente estar me retratando de absolutamente nada daquilo que penso,mas, ao mesmo tempo, temos firmeza. Ao mesmo tempo em que sabemos inclusiveque temos hoje dentro do currículo de alguns Estados a disciplina"orientação sexual", sabemos também que há um desejo, um anseio domovimento que se comece a analisar o casamento de homem com homem ou umaafetividade homem com homem de forma tão natural quanto uma relaçãoheterossexual. O que eu alargo aqui, Senador Geraldo Mesquita, é que não ousem tirara Bíblia de dentro das igrejas! Temos grande preocupação com o fato decriminalizar um padre, um pastor porque faz uma pregação colocando ohomossexualismo como a Bíblia pensa. O que vamos fazer com a Bíbliasagrada, milenar? Vamos tirar dos lares? Vamos tirar das igrejas? Não estouexagerando. Esse projeto de lei entra em conflito, repito, com o art. 5º,inciso IV e VI, da Constituição Federal. O pastor, o católico confesso -protestante, ou evangélico, como queiram chamar - que disser para umhomossexual que não concorda com o homossexualismo e que expuser suasrazões corre o risco de ter um processo aberto contra si e ser preso pordois ou cinco anos. Termino, Senadora. Sou um homem que tenho um compromisso muito leal esincero, em primeiro lugar, com a palavra de Deus e com Jesus e, em segundolugar, com as mudanças importantes da sociedade. Quero deixar claro que,assim como qualquer cidadão, não aceito achincalhamento com homossexual,não aceito que ele seja envergonhado em lugar nenhum, que lhe tirem odireito individual, garantido pelo art. 5º, da Constituição Federal, de tera sua privacidade, mas legitimar as relações afetivas... Fico imaginandoonde vamos chegar. Há também constrangimento, e aqui não é preciso umafundamentação histórica, se acontecer um "amasso" - desculpe a expressão,Senadora -, se acontecer a demonstração de uma relação afetiva maisprofunda, porque aí não específica, em praça pública entre heterossexuais.Um beijo na boca ainda em determinadas idades e segmentos é tambémconflitante. Fico imaginando todas essas situações, todas essas questões. Estou falando primeiro e geralmente quem está com a tese na mãoenfrenta as antíteses, mas ainda bem que vamos ter sínteses dentro de umlaço dialético. Quero deixar claro que isso aqui também é concebido pelavisão de mundo que temos, pelo conceito de família - homem, mulher efilhos. Não estou nem colocando em debate a adoção e a união civil porquesei que esses temas vão entrar em tramitação. Devemos estar preparados paraesse debate, para discutir com respeito. Fui um dos que mais se levantouaqui nessa Casa pela proibição da utilização de células-tronco emlaboratórios, e me apresentaram realidades de partir o coração. Fui firme,mas o Brasil aprovou, o Brasil legitimou. Eu, que creio em Deus, isso temuma implicação diante de Deus e uma relação diante de Deus. Estou fazendoaqui o meu papel histórico, um papel representado pela minha visão demundo. Não temos absolutamente nenhum problema com relação a outrosdireitos individuais, direitos civis, mas a questão da afetividade entrehomossexuais é uma questão que vamos ter que discutir ainda mais. Levemosisso com o espírito muito desprendido, desarmado. É claro que não podemosvir para um debate como esse vazio. Devemos estar com uma posição bastantefirme, mas desvencilhada de qualquer laço de preconceito, de discriminação,e disso tenho prova na minha vida. Sou - e agora vou ser firme - diligentena defesa do conceito que temos de família. Todos sabem que no ano passado,com base no movimento das mulheres, um movimento interessantíssimo, que secolocou no Brasil, o próprio conceito de família foi se transformando. Cadaum, de acordo com a sua concepção de mundo, concepção de homem, deve seadaptar às novas realidades. Espero, e tenho certeza de que isto será garantido aqui no âmbitodesse grupo de trabalho, que haja muita lealdade e respeito e que não hajanenhum preconceito, nenhuma discriminação pelo fato de eu ser evangélico.Assim como o movimento dos gays, lésbicas e homossexuais quer o fim dopreconceito e da discriminação, tenha o cuidado também de, diante dessemovimento, por nos expormos mais, não sermos vítimas também do preconceito,da discriminação e, inclusive, da perseguição. Vou lutar! Onde eu puder euvou estar, sempre com posição firme, para acabar com a perseguição, com adiscriminação. Muito obrigado, Senadora. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Obrigada, DeputadoHenrique Afonso. Queria inclusive agradecer as suas palavras com relação aorespeito ao debate. É justamente respeitando o debate que propusemos,aliás, acatamos a sugestão do Senador Flávio Arns, na Comissão de DireitosHumanos, de criarmos esse espaço sem a formalidade da Comissão ou daaudiência pública, inclusive abrimos mão da filmagem direta da TV Senado,mas fizemos questão de registrar aqui toda a reunião para que possamosoportunamente utilizar esse rico material produzido pelas falas dos queforem se pronunciando aqui. Esse espaço é de uma informalidade que estamoscriando, porque não temos sobre o grupo de trabalho nenhuma regulamentaçãoem regimento. Estamos aqui garantindo que todos tenham um espaço paramanifestar sua opinião. Da mesma forma como o senhor chama a atenção para o fato da discussãonão se acirrar a ponto da agressão que recebemos, tanto o senhor quanto eu,no dia a dia, via internet, por diversos meios de comunicação, não queremostransformar esse tema em uma disputa pela Bíblia entre os cristãos e osnão-cristãos, entre os cristãos e os demônios, porque a maioria de nóstambém, se formos confessar a nossa religiosidade, acredito, é cristão. Foimuito boa sua fala no sentido de chamar a atenção para o fato de quequerermos que cada um tenha um espaço de pronunciar aquilo que acredita.Não emitiremos nenhum juízo de valor sobre nenhuma das falas, até porqueestamos buscando levantar pontos polêmicos nesse projeto, pontos nãodiscutidos na Câmara Federal. Vamos buscar o consenso. Nosso parecer seráproferido na leitura do relatório na Comissão de Direitos Humanos. Passo a palavra ao Sr. Caio Varela, assessor da Associação Brasileirade Gays, Lésbicas e Transgêneros. O SR. CAIO VARELA - Boa tarde a todos. Em primeiro lugar, Senadora, gostaria, em nome da ABGLT, decongratular essa iniciativa. Para nós o debate é extremamente importante. Adiversidade de pontos de vista também agrega ao debate, tanto nosso debateinterno quanto com a sociedade como um todo. Para começar, queria fazer uma observação, e a Senadora de uma certaforma já o fez. Deputado Henrique Afonso, temos muitos homossexuais - gays,lésbicas, travestis, bissexuais, transgêneros - que são cristãos, que sãocatólicos, que são evangélicos, ou seja, o debate não é dos evangélicos,dos católicos, e homossexuais, porque também estamos nas igrejas. Tambémtenho a minha religiosidade. Todos temos. Esse debate não tem a intenção depromover uma discussão sobre a utilização ou não da Bíblia. Acredito eu queos homossexuais que quiserem fazer esse debate muito provavelmente o farãodentro das igrejas, das ramificações - se posso chamar assim - dasreligiões. Não é o nosso objetivo aqui de maneira alguma proceder a essedebate. Está em jogo - e essa é a nossa proposta de debate - é que somosmilhões de brasileiros e brasileiras discriminados diariamente, violentadosdiariamente. Somos assassinados. Nesse País a cada dois dias um homossexualé assassinado em razão de homofobia. É disso que estamos tratando, dessetipo de discriminação que leva a ponto de matar outra pessoa, dessadiscriminação que exclui do as pessoas do seu trabalho, de suas casas, dassuas escolas. É disso que estamos falando. Ficamos muito felizes por participar desse debate nesta Casa. Essa é aprimeira oportunidade que tivemos para conversar no Senado Federal. Comeste convite, o Estado passa a entender, também com uma grande pressão domovimento, que existe uma parcela dos cidadãos brasileiros que estão sendodiscriminados, estão sendo alijados de seus direitos. Nós aqui não queremosde maneira alguma privilégios. Já foi dito que esse projeto de lei confereprivilégios aos homossexuais. Não, de forma alguma! É o contrário. É areparação de direitos não garantidos. Já temos, sim, concordo com o senhor,uma série de direitos garantidos, mas muitos outros não, e temos aqui umalistagem inicial de 37 (trinta e sete) direitos não garantidos ou nãoacessíveis aos homossexuais. Essa é a questão. Por que esse projeto de lei é nossa prioridade? Porque é isso que nosinteressa, que nós, cidadãos homossexuais, não sejamos mais assassinados,não sejamos mais violentados, não sejamos mais perseguidos. Não gosto defazer discurso personalista, mas até eu já tive que mudar de residência,mudar toda a minha vida porque era perseguido por um grupo de skinheadsapenas pelo fato de ser homossexual, não porque eu, como disse o senhor,expressava a minha afetividade nas ruas ou no supermercado ou em qualqueroutro lugar, mas sim pelo simples fato de eu ser homossexual. Eu tiveameaças, e ameaças reais, a ponto inclusive de essas ameaças seremencaminhadas até para instâncias internacionais de proteção. Tudo pelosimples fato de eu colocar a minha orientação sexual. É isso que estamosaqui discutindo e vou até citar alguns pontos aqui listados. Ainda não há uma proteção específica na legislação contra adiscriminação de orientação sexual e identidade de gênero. Como já disse,estima-se que sejamos 10% (dez por cento) da população, ou seja, 18.000.000(dezoito milhões) de pessoas. Dezoito milhões de brasileiros e brasileirasnão têm aparato legal apenas para que não sejam discriminados, para que nãosejam violentados, para que não percam o emprego, para que tenham acesso àescola, para que não morram. Apesar dos avanços, que concordo que jáexistiram, qualquer homossexual brasileiro está a qualquer momento sujeitoa uma violação, a morrer, apenas porque não houve debate. Este debate éimportantíssimo e estamos muito felizes de estar aqui por esse motivo. O art. 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos é muito claro: Art. 7º Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquerdistinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteçãocontra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contraqualquer incitamento a tal discriminação. Temos também o art. 3º da Constituição Federal: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa doBrasil: I - (...) II - (...) III - (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Talvez aqui alguns juristas até nos digam que nosso anseio estácontemplado em "outras formas de discriminação", mas infelizmente isso nãoacontece na realidade. Por isso a nossa luta. O projeto não limita nem atenta contra a liberdade de expressão, deopinião. Em nenhum momento contestamos isso. Inclusive há outro ponto a serobservado: onde fica a nossa liberdade de expressão? Não há aquele ditadoque diz que o meu direito não pode ultrapassar o direito do outro? Queremosgarantir exatamente isto: que todos tenhamos direitos. Essa é apenas umareparação que precisa ser feita. Temos exemplos dessa situação na União Européia e na própria AméricaLatina. O México, a Colômbia e a Argentina, que são países, o senhor sabetanto quanto eu, extremamente religiosos, garantiram os direitos doshomossexuais e não têm tido problema algum. Não houve nenhum conflito,nenhuma tentativa de desprivilegiar ou de descaracterizar a importância dasigrejas, a importância da religião, a importância da crença. Esse debatenão têm sido feito dessa forma nesses países, e os direitos têm sidogarantidos, e todos continuamos bem ou melhor, porque, com uma sociedademais justa, quando qualquer tipo de direito é reparado, e nesse momentonão estou falando apenas dos homossexuais, não ganha apenas o grupo dapopulação que teve seu direito reconhecido, mas sim toda a sociedadebrasileira. A partir do momento em que tivermos uma sociedade mais justapara todos os grupos que vão necessitando de demandas particulares, todosganhamos com isso. Gostaria muito que um dia pudéssemos viver em uma sociedade semdiscriminações. Todos nós aqui desta Mesa, uns mais, outros menos, porrazões diferentes, já sofremos algum tipo de discriminação, algum tipo depreconceito. Por exemplo, sabemos aqui a seriedade desse debate, aimportância dos Parlamentares aqui presentes, mas quantas vezes os senhoresjá escutaram que Parlamentares, que políticos não prestam? Mas os senhoressabem que isso não é verdade, tanto é que o nosso debate aqui é sério.Todos nós já sofremos discriminação, mas temos que acabar com todas elas. Um último ponto muito interessante que é importante citar refere-seaos avanços em posicionamentos institucionais das religiões, das igrejas nosentido da não-discriminação dos homossexuais. É fabuloso isso! Isso émuito importante para toda a sociedade, não apenas para nós. Gostaria apenas citar aqui o inciso VIII do art. 5º, que deixa muitoclaro que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosaou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-sede obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestaçãoalternativa, fixada em lei." É essa a mensagem que devemos levar emconsideração para os dois lados, para nós e para parte dos católicos,evangélicos e cristão - falo isso porque também sou cristão - que têmposicionamentos diferentes do que o movimento homossexual brasileiro vemdebatendo e quer com a aprovação desta lei. Nossa finalidade maior é, como já disse, garantir uma sociedade maisjusta, mais democrática, mais respeitosa, mais promotora dos direitoshumanos. É isso que está em pauta para nós. Obrigado. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Muito obrigada, Dr.Caio. Passo a palavra agora para o Pe. Cláudio Antonio Delfino, daConferência Nacional dos Bispos do Brasil. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Boa tarde, Senadora. Boa tarde a todosos presentes. Para nós é sempre um prazer poder externar aquilo que acreditamos etambém o que serve como referencial, tanto do ponto de vista da fé como doponto de vista racional, para nortear a existência das pessoas das quaissomos responsáveis e que precisam certamente, em situações determinadas daexistência ou mesmo em toda a existência, serem auxiliadas, principalmentenaquilo que por natureza todas as pessoas necessitam que é justamente ofato de serem religiosas, terem Jesus como religiosidade. Algo muito importante para nós é a nossa presença aqui representando aConferência Nacional dos Bispos do Brasil nesse debate que tem umaimportância muito grande. Um ponto muito importante é que não temos nenhum preconceito comrelação à situação aqui tratada dos homossexuais. A Igreja tem uma posiçãomuito clara em relação a isso. A doutrina católica afirma que temos quesaber distinguir o ato e a pessoa que o pratica. Temos o ato enquanto talcomo um ato que desordena, que causa uma desordem na natureza, mas, poroutro lado, à pessoa que o comete não podemos de nenhum modo deixar deprestar o cuidado pastoral devido. Para dar um exemplo bem atual, nos últimos dias 6, 7 e 8 aconteceuaqui um encontro do episcopado da América Latina, tendo em vista a 5ºConferência, que será em Aparecida, de 3 a 31 de maio. Nesse encontro emque se reuniram vários bispos da área médica e da área psicológica, muitose discutiu a questão da necessidade do cuidado pastoral com as pessoas quetrazem consigo a questão da homossexualidade. A Igreja Católica, se de umlado reconhece, por princípios, que o homossexualismo - e depois aqui possodar alguns motivos, pois acho que a questão mais é de princípios talvez enão de casos específicos -, não se fundamenta na natureza humana enquantotal como uma via de meio, quem sabe, entre ser homem e ser mulher. Nãoexiste, desde que se conhece homem e mulher na face da terra, não seconstituiu uma terceira via de opção no caso de realização pessoal, mas,por outro lado, não temos o direito de discriminar, de condenar ou detratar como uma pessoa de segunda classe ou assim por diante. Quero deixar bem claro que esta é nossa posição: diferenciar o ato e apessoa que o comete. O ato nós o temos como sendo uma realidade que não sefunda; agora a pessoa não por isso merece ser tratada como um ser desegunda classe. Hoje pela manhã eu lia uma reportagem que saiu em 1994, na Veja, quedizia dos negros e dos brancos. Afirmava que os negros deviam ser tratados,porque naquela época, do ponto de vista científico, os negros tinham umnível intelectual mais baixo, como pessoas de segunda classe. Isso é algomuito absurdo, e talvez essa afirmação tenha me despertado para a perguntareal que deve ser feita: o homossexual é uma pessoa que tem menos valor queuma pessoa heterossexual? Seguramente, não! O que define a pessoa é o fatode ela ser pessoa e não o fato de ter esta ou aquela opção. Então, deprincípio, a pessoa tem valor por ser pessoa, e este é o princípio queacreditamos tanto do ponto de vista teológico quanto do ponto de vistafilosófico. É o princípio que deve ser respeitado. Toda pessoa deve serrespeitada não por opção, não por classe, não por status, mas pelo fato deser pessoa, e aqui acho que todos nesse caso devem ser respeitados com asua igualdade perante a lei. Já o fato da opção que se faz enquanto pessoa,aí sim talvez tenhamos que dialogar, e para dialogar precisamos pontuaralgumas questões. Quando tratamos da questão antropológica, o que diz respeito ao homeme à mulher, temos aqui um grande debate que está fundado na questão daliberdade, na questão da lei. Ou todos nós, seres humanos, temos umanatureza humana comum em que esteja inscrita uma lei que permita que todosos valores sirvam para todos, ou não será possível nem que estejamossentados aqui, porque o grande drama que vivemos hoje é justamente anegação de uma natureza humana que tenha caráter normativo, que tenhacaráter universal, para se afirmar que o valor da lei está simplesmenteligado ao sujeito que a afirma. Essa é uma questão que cabe seguramente aodebate nosso aqui e certamente ao debate no Senado Federal e na Câmara dosDeputados, lugar em que se fundamenta a questão da lei. A lei tem a suagarantia assegurada simplesmente no juízo de um grupo, de uma pessoa, de umgrupo de pessoas que a formula ou tem algum dado objetivo e qual é essedado em que ela deve se fundamentar? Essa é uma questão antropológica muitoimportante, e talvez uma das questões que hoje é tratada com certo descaso. Muitas vezes a Igreja também sofre, e falo porque sentimos isso napele também, com a questão da discriminação, do preconceito. A Igreja,quando se pronuncia em algum tema, é também vítima de preconceito.Acompanhei em 2005 a questão do PL 1135/91, na Comissão de SeguridadeSocial e Família, e toda vez que nos pronunciávamos ou que algumParlamentar se pronunciava e sabiam que aquele era católico, seupronunciamento já era visto com preconceito porque se dizia que aquele eraum dogmatismo religioso e que não havia nada de racional naquele ponto devista. Então, um ponto fundamental é saber que a verdadeira fé e averdadeira racionalidade não se contradizem. Agora, a Igreja não faz simplesmente uma afirmação. A doutrina daIgreja tem por fundamento certamente a fé, como já disse o nosso caroDeputado Henrique Afonso, mas de outro lado a fé não destrói a verdadeiraracionalidade humana, e aqui é um ponto em que somos tratados com certopreconceito devido ao fato de que, quando falamos, falamos simplesmente emnome de dogmas religiosos e que quase são verdades irracionais. A verdaderevelada não é uma verdade irracional, mas é uma verdade que tem também suacompreensão. Se fosse irracional, nunca poderia ser reconhecida pelo homempela mulher. Não há como ser diferente. Sr. Caio, o mesmo preconceito que o senhor disse que sofrem nós tambémsofremos, mas de outro modo: quando nos pronunciamos, pronunciamo-nossempre em nome de dogmas religiosos, que são privados quase deracionalidade, e que devem ser descartados. No Estado laico a Igreja deveficar dentro da sacristia, ela não tem nenhum problema, não tem mais nadaque colocar, que produzir, ela não tem que se posicionar diante de questõessociais. Esse é um dado importante. No que se refere a um discurso mais filosófico, Aristóteles, filósofogrego, começa a sua obra metafísica com uma afirmação: toda pessoa pornatureza tende para o bem. Essa é uma afirmação filosófica, racional e nadatem a ver com religião ali naquele momento, séc. IV a.C., e até hoje tem oseu valor. Quando se diz por natureza, quer se dizer por inteligência, porracionalidade, toda pessoa deve agir para o bem, e agir para o bemsignifica, por exemplo, agir para perpetuar a própria espécie na face daterra, um dos efeitos desse princípio. Agir para o bem significa que nãoajamos contra nós mesmos, que não causemos dano a nossa própria existência.Aqui coloco uma interrogação simplesmente, sem nenhum juízo de valor: porexemplo, pressupondo a questão da união homossexual, como será possível doponto de vista existencial perpetuar a espécie no caso concreto? Recordo-me aqui, com essas afirmações, da finalidade, e quenaturalmente não é dogma de fé, do ato conjugal na relação heterossexual. Oato conjugal na relação heterossexual se assenta em dois pilaresfundamentais: a união e a procriação. Pode ser que alguém diga que, doponto de vista da união, se sinta profundamente realizado, mas e do pontode vista da procriação? Como perpetuar a espécie se não é possível em umaunião homossexual se chegar de modo lícito à procriação? Do ponto de vista psicológico, essa é outra interrogação que faço,como fica a educação dispensada, por exemplo, a uma criança? Como umacriança terá garantida uma personalidade humana de fato sendo educada naausência da figura paterna e da figura materna? Repito, do ponto de vistacientífico, são duas figuras, duas personalidades que ajudam diretamente naformação da pessoa humana integral enquanto tal. São interrogações que, repito aqui, faço com muita caridade. EnquantoIgreja, temos um cuidado e um carinho muito grande com as pessoashomossexuais. Eu, em nove anos de sacerdócio, já tive oportunidade deacompanhar três pessoas, por dois anos ao menos, com direção espiritual evejo como é sofrido. Por exemplo, como é sofrido para quem vive nessasituação e acredita que tem que viver a castidade! Como é difícil para apessoa viver! Acompanhei esses casos de 1998 a 2000 e vi que é muitodoloroso. Há uma carga de preconceito que a sociedade coloca nas pessoashomossexuais, e isso são coisas que de fato não são humanas. Agora aquestão está justamente em nós. Para terminar, repito que temos respeito,temos carinho, cuidado pastoral pelas pessoas homossexuais, mas, por outrolado, a Igreja não afirma como legítima essa opção ou essa situação. Certamente teríamos que debater um pouco mais. Poderia um perguntar eo outro responder, mas digo de antemão que não temos nenhum preconceito,não temos nenhum desrespeito, mas, de outro lado, não podemos deixar dedefender e de afirmar aquilo que temos como verdade. Estamos muito abertosa dialogar, a proporcionar o melhor às pessoas no Estado brasileiroenquanto tal. Não queremos que ninguém seja tratado, por exemplo, repito,como pessoa de segunda classe ou como pessoa que tenha uma dignidadeinferior com relação à outra. Não sei se me expressei bem. Não sabia muito por onde iria começar,mas espero que tenha dito claramente aquilo que deveria dizer. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Muito obrigada, Pe.Cláudio. Gostaríamos que fizéssemos uma nova rodada para que seja colocadoespecifica e concretamente os artigos conflitantes deste PLC. O DeputadoHenrique Afonso citou o art. 8º e gostaria de saber se há algum outro. Pe. Cláudio, nesse projeto de lei, além das questões gerais que osenhor já colocou, há algum artigo que especificamente a CNBB queira quenos debrucemos para construir um consenso? O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Não sei se teria condições de fazerisso porque, como estou representando outros que não podem estar aqui, nãosei se eu, pessoalmente, poderia deliberar sobre algo específico. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Tínhamos essaexpectativa e talvez tenhamos errado em não expor isso. Gostaríamos que onosso trabalho partisse de pontos como "somos contra todo o projeto","somos contra pontos específicos", para que possamos buscar o entendimento.Estamos dialogando e para que isso efetivamente aconteça precisamos de umponto de partida. Concedo a palavra ao Sr. Ivair Augusto dos Santos, da Secretaria deDireitos Humanos da Presidência da República. O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - Boa tarde, Sr. Caio Varela, Pe.Cláudio, Deputado Henrique Afonso, Srs. Senadores e Srª Senadora FátimaCleide. Em nome da Secretaria Especial de Direitos Humanos, queria externar aminha felicidade de estar participando desse encontro, principalmentedepois de ter ouvido falas tão bem elaboradas tanto do Pe. Cláudio quantodo Deputado Henrique Afonso. Elas mostram que o debate será de alto nível eque temos, de fato, um objetivo comum. Muito do que disse o DeputadoHenrique Afonso vai muito ao encontro do que acredito também. Queria dar um depoimento. Trabalho na Secretaria Especial de DireitosHumanos desde a sua fundação. A minha história de vida está muito ligada àluta contra o racismo e contra à discriminação racial. A Lei nº 7.716/89para nós é muito cara porque foi feita logo depois da Constituinte peloDeputado Caó. Ela criminaliza o racismo e foi importante porque a LeiAfonso Arinos, de 1950, deixava muitas brechas. Fico feliz de poder viraqui e expressar um pouco o nosso entendimento em relação a essasalterações propostas pelo PL 122. Em primeiro lugar, ao longo desses anos todos trabalhando naSecretaria Especial de Direitos Humanos, foi crescente o meu envolvimentocom o combate à homofobia. Ele não se deu de imediato. Foi construído apartir de muita dor porque na verdade comecei a compartilhar, com asdenúncias que chegavam a minha mesa, de questões muito sérias: ofensasverbais, agressões e assassinatos. Quando eu era designado para acompanharalgum assassinato, o que mais me chocava é que as pessoas não eram vistascomo seres humanos. Muitas vezes sequer era feito um boletim de ocorrência. Lembro-me de uma cena muito candente em que, em uma reunião noMinistério da Justiça, o Bispo Mauro Morelli deu um depoimento que nosmarcou muito. O Bispo presenciou o assassinato de uma travesti quandovoltara para sua casa com o seu carro. Ele foi para casa com aquilo nacabeça e no dia seguinte ele voltou e foi à polícia para saber se aqueleregistro havia sido feito. Para a surpresa dele, sequer havia sidoregistrado o boletim de ocorrência do assassinato de uma pessoa que era umtravesti. Ao longo dos casos que foram chegando e se avolumando, cada vez que eutinha que me deslocar para um Estado ou para uma Delegacia de Polícia paraacompanha-los, eram sempre muito sofridos, doloridos. Lembro-me de um caso,em Alagoas, em que um rapaz foi amarrado em uma motocicleta e arrastadopela cidade porque era um homossexual. Os casos de assassinato queapareciam eram sempre feitos com mutilação. Essa minha experiência, esse meu envolvimento gradativo junto com omovimento ABGLT me fez despertar para alguns pontos que até então eu nãotinha visto sob o ponto de vista do meu olhar enquanto negro. Primeiro, aquestão da discriminação em virtude da orientação sexual é aviltante porquefere direitos básicos. Quando se convive e se conversa com as travestistransexuais, o direito básico de ir e vir é negado. São pessoaspraticamente confinadas a viver durante a noite. Fiz certa vez uma reuniãono Ministério da Justiça, Senadora, e convidei uma travesti para participare conversar conosco sobre vários problemas. A pergunta que ela me fez mechocou: "Eu posso ir? Será que vou poder entrar no Ministério?" Já estavadentro da cabeça dela a sua impossibilidade de poder se deslocar. Elasequer imaginava que tinha o direito de poder caminhar como outra pessoaqualquer. Na minha vida profissional na Secretaria Especial de Direitos Humanos,eu não acompanhei um ou dois assassinatos. Foram mais de 12 anosacompanhando assassinatos e violências. Foram casos de violação de todos ostipos. Cuidei de pessoas que eram religiosas. Vi pessoas desempregadas. Nãohá um grupo social, trabalhista ou não, em que se possa identificar e dizerque os homossexuais são daquele jeito. Não! Vi um leque na sociedadebrasileira que me chocou muito, que me marcou muito enquanto pessoa porquevi na prática como a discriminação em relação aos homossexuais adquirecontornos violentos. A sociedade brasileira é tolerante em relação àdiscriminação dos homossexuais. Ela tolera uma piadinha. Ela tolera umaagressão. Se for uma lésbica, é tratada de uma forma; se for uma travesti,de outra forma; e assim por diante. Todas as pessoas que de alguma forma seidentificam no campo da orientação sexual sofrem discriminação. Não conheciuma pessoa que pudesse ter expressado a sua homossexualidade não fosseobjeto de formas, olhares e atitudes. Aprendi muito com algumas pessoas que me deram muita força nesseprocesso, os religiosos, tanto de matriz africana quanto de matriz cristã.Bispos, padres e pastores com quem convivi me diziam algo fundamenta:"Olha, o fundamental nesse processo é você saber compartilhar a paixão dooutro. Você precisa ter a sensibilidade de compartilhar esse sofrimento.Você não pode ficar alheio a esse processo. Você não pode ver a pessoasendo aviltada nos seus direitos básicos e não ter um olhar com relação aisso." Esses pastores e padres, a quem aqui presto uma homenagem, fizeramcom que eu visse quanto é importante o saber olhar e compartilhar essa dor.Eles me ajudaram muito quando eu proferi o parecer favorável com relação aesse projeto. Primeiro, no universo dos direitos humanos, a Declaração Universal dosDireitos Humanos tem vários artigos que são muito explícitos com relação aesse processo. O art. 1º desta Declaração dispõe que: Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade edireitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação unsaos outros com espírito de fraternidade. Se eu trabalho com direitos humanos, se eu convivo com direitoshumanos, e se eu não tenho espírito de fraternidade com relação ao outro,estou ferindo o princípio básico sobre o qual foi construído a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, que é o seu art. 1º: saber olhar o outrocom fraternidade. O art. 7º já foi citado aqui, mas é sempre bom repetir: Art. 7º Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquerdistinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteçãocontra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contraqualquer incitamento a tal discriminação. Esse artigo não está se referindo a uma discriminação de "a", "b" ou"c", mas a qualquer discriminação. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos seus 30 (trinta)artigos, permeia de maneira clara a sua postura de respeitar as diferentessituações, as diferentes manifestações enquanto ser humano. Não é possívelvermos os direitos humanos de forma parcial. Não é possível observar osdireitos humanos só para quem trabalha, apenas para quem é desempregado oupara quem é sem-teto ou para quem é policial, mas devem ser entendidos eanalisados em seu conjunto. O universo de pessoas que trabalha, que convivee que milita na área da ABGLT é composto por seres humanos magníficos. Sãopessoas adoráveis. São gente como qualquer um de nós aqui à mesa. Graças aessa convivência, percebemos que a Declaração Universal dos DireitosHumanos está perfeitamente enquadrada no espírito dessa proposta do PL 122. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tivemos, em2000, em Santiago, na América Latina, a conferência regional contra oracismo e todas formas de intolerância. Essa conferência foi preparatóriada conferência mundial que ocorreu, em 2001, em Durban, África do Sul,contra o racismo e a intolerância. Qual é o fato importante? Nessa conferência de Santiago, no ano 2000,o Brasil apresentou uma proposta que ampliava o leque de situações dediscriminação, incluindo a orientação sexual. Para nossa alegria, aConferência Regional das Américas, em Santiago, aprovou e incorporou nocampo dos direitos humanos da América Latina a idéia de que a orientaçãosexual também deve ser considerada. Assim como raça, gênero, sexo, idade,hoje também deve ser incorporada a orientação sexual no campo dos direitoshumanos. Um outro fato importante que queria dizer aos senhores diz respeito àelaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Naquelaoportunidade, não havia nenhuma obrigação para os Estados. Ela nasceu comouma referência moral e foi complementada por dois pactos: o PactoInternacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional deDireitos Econômicos, Sociais e Culturais. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966 e que fazparte da nossa legislação desde 1992, dispõe no seu art. 26: Art. 26 Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, semdiscriminação, à igual proteção da lei. A este respeito, a lei proibirátoda a discriminação (...) Este pacto deixa claro que não se pode selecionar discriminação "a","b" ou "c". Devemos, então, incluir qualquer tipo de discriminação comrelação a isso. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturaistambém estabelece, no seu art. 2º, 2: Art. 2º 1. (...) 2. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a garantir queos direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma pormotivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outranatureza (...) Esses três instrumentos que estão incorporados a nossa legislação - aDeclaração Universal dos Direitos Humanos e os dois Pactos a que me referi- configuram a base, o cerne, a matriz do que entendemos por direitoshumanos. Então, quando falo de discriminação em relação à orientaçãosexual, estou falando do patamar, do campo dos direitos humanosconstituídos no séc. XX tanto pela Declaração Universal quanto pelos doispactos, tanto o civil quanto o de direitos econômicos, sociais e políticos. Para finalizar, quero dizer que, ao longo desse processo, percebo nasfalas que me antecederam algo muito óbvio: as pessoas que se identificamcomo gays, lésbicas, travestis, transexuais ou bissexuais são motivos dediscriminação. Esse ponto foi citado tanto pelo Pe. Cláudio quanto peloDeputado Henrique Afonso. Estamos de acordo com relação a isso. Na lei,apenas incorporamos uma conquista da população negra. Estamos trazendo parao corpo da legislação uma conquista importante no campo dos direitoshumanos: a incorporação da população GLBT. Como esta reunião está sendo registrada, quero aproveitar para fazer aminha homenagem especial a dois religiosos que me ensinaram muito aentender os direitos humanos sob o ponto de vista de compartilhamento dooutro: o Pe. Batista, da paróquia da Praça da Sé, e o Reverendo AntônioSantana. Eles são dois religiosos cristãos que dizem ser importante ter asensibilidade de perceber que a dor do outro pode ser maior que a dor quetemos enquanto pessoa. Peço minha homenagem a esses dois religiosos dizendoda importância de se incorporar a orientação sexual na Lei nº7.716, de1989. Muito obrigado. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Muito obrigado, Dr.Ivair. Pergunto ao Senador Geraldo Mesquita se deseja fazer uso da palavra. O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Na verdade, SenadoraFátima, meus caros amigos presentes, queria deixar algumas considerações,já que tratamos aqui de debater um assunto. Então, quero oferecer umapequeníssima contribuição ao debate. Ouvi a todos aqui, atentamente, com o pensamento voltado intensamentepara Cristo, que veio a Terra e disse que todos são filhos de Deus. Algo me diz que tanto o dispositivo constitucional que diz que "Todossão iguais perante a lei" como o dispositivo que o senhor acabou de ler, oart. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, creio que osprimeiros formuladores desses princípios buscaram inspiração no que disseCristo: "Todos são filhos de Deus". Cristo, que acolheu uma prostituta edesafiou os presentes a jogarem pedra, aqueles que se julgavam acima dela;Cristo, que pregou na Terra a caridade, a bondade, a fraternidade. Os religiosos aqui presentes que me desculpem a sinceridade, mas ela éhonesta. Por vezes não consigo distinguir ou enxergar, melhor dizendo, ounão enxergar a Igreja como a prática do que veio Cristo pregar na Terra. Edigo isso baseado em alguns fatos. A Igreja, por exemplo, já participou, em épocas remotas, de umprocesso de levar para a fogueira pessoas que afirmavam que a Terra não erao centro do universo. E esses fatos somados a outros às vezes me mostramque não é a mesma Igreja de Cristo. Digo com toda a honestidade também: se eu fosse um padre, se eu fosseum pastor evangélico, se eu fosse um religioso com prática, o que não sou,a Igreja, que merece todo o meu respeito, por exemplo, quando institui umaPastoral da Criança, quando institui uma Pastoral da Terra... Eu adoraria,por exemplo, que a Igreja instituísse a pastoral dos homossexuais, dostransexuais e congêneres. Este seria o ato de amor maior que a Igrejapoderia professar: ver essa questão por outro prisma. Eu me associo aos religiosos, a todos que querem, a todo instante,confirmar, reforçar a instituição família, mas prefiro fazê-lo pelo ladopositivo. Um dia desses, revelei a minha tristeza com uma afirmação de SuaSantidade o Papa, que acabou sofrendo alguma correção, com a justificativade que a tradução teria sido equivocada. Mas o sentido que ele quisemprestar foi aquele mesmo, quando disse que o segundo casamento era umapraga social. Fiquei extremamente triste com aquilo, porque entendi que oPapa queria reforçar a importância da família, do matrimônio, mas creio queenveredou por um caminho equivocado. No lugar de Sua Santidade, eu teriafeito a mesma proposição, mas de forma distinta, pelo aspecto positivo, enão pelo aspecto negativo. A Igreja - e me refiro a todos os religiosos com prática, àsinstituições religiosas... Talvez fosse a maior revolução, e não diria nemdo Século XXI, mas talvez de todos os tempos, se as instituições religiosasacolhessem esse assunto com extrema caridade, com amor, com benevolência e,a exemplo do que vem fazendo principalmente a Igreja Católica - aEvangélica também, porque tem um serviço social muito intenso -,instituísse a pastoral. O senhor falou em 18 milhões de pessoas. Eu não tenho base científicapara contestá-lo, mas algo me diz que é muito mais. E fico me perguntando:o que fazer com essas pessoas? A Igreja não pode se fechar numa concha, tentando proteger os seusmembros, os seus religiosos. Um padre não deve pregar isso, não. O padreou o religioso, todos nós devemos ter o direito de opinião. Isso ésagrado. Mas é preciso ter coragem, no nosso País, de defender algumasteses. Louvo a coragem do Deputado Henrique, meu companheiro querido lá doAcre. Não admito que se agrida o Deputado Henrique. Não admito! Esse nãoé o caminho. Alguém vir aqui para expor a sua opinião sobre um assuntocomo este é um ato de extrema coragem e grandeza. É homem quem faz isso,homem no sentido da pessoa humana. Há momentos em que nos debruçamos sobre um assunto, que debatemos paralá e para cá. Às vezes, convém mudar de caminho bruscamente para enxergaressa questão sob outro prisma, outra ótica, porque está se tratando mesmode uma... O senhor citou três ou quatro exemplos. Vou sair agora, pedindolicença a vocês, para acompanhar o Senador Paim, o Senador Buarque e algunsoutros Parlamentares na ida à UnB, para prestar solidariedade a pessoas queforam violentamente agredidas; de forma preconceituosa, criminosa, tiveramos seus alojamentos queimados. Outras são assassinadas, mutiladas. Esse projeto, não vejo de que forma poderá atingir a comunidadereligiosa. O projeto tem aquele propósito, como já disse certa feita. Chega um momento, Deputado Henrique, que o Estado tem que estabeleceralguma coisa. A escravidão, que grassou neste País, nós só conseguimos iniciar acaminhada no sentido de debelá-la, ou minorá-la, porque ainda nãoconcluímos esse processo - está aí o caso da UnB, com um racismoinaceitável, uma coisa baixa mesmo... O Estado precisou instituir a LeiÁurea para dar um ponto de partida, assegurando àqueles que eram alvo dediscriminação e preconceito que a partir daquele momento eles poderiampostular direitos. E mesmo assim essa caminhada vem até hoje. Então, esse dispositivo que a Senadora Fátima Cleide relata é o bastado Estado, a obrigação, o dever do Estado de observar que a questão não seresolve e intervir. O papel do Estado é esse. Há momentos em que o Estadotem que intervir no sentido de estabelecer um marco, como o DeputadoHenrique falou, que garanta àquelas pessoas que são alvo de discriminação ede preconceito de que a partir de agora elas podem ter o amparo da lei,recorrendo ao Estado ou a seja lá quem for. Portanto, queria apenas deixar essa sugestão no sentido de que aIgreja procure também, de forma caridosa, olhar essa questão de outraforma. Vejo uma coisa muito obstinada, muito focada. A Igreja, que, emmomentos preciosos da vida da humanidade, foi tão generosa, tão caridosa... Creio que é chegado o momento de sermos mais uma vez assim, PadreCláudio, observando essa questão sob outra ótica e acolhendo as pessoas queCristo disse que são iguais perante Deus, para discutir essa questão com asociedade inteira. A Igreja é o ponto onde essa discussão deve acontecer,pelo seu histórico de benevolência, de amor cristão. Botei a minha colher nesse mingau apenas para trazer essasconsiderações, que eu pensava que seriam breves, mas acabaram se estendendomuito, pedindo desculpas mais uma vez pela franqueza. Creio que o assuntonão merece de nossa parte o cinismo, a hipocrisia, e sim a franqueza, ahonestidade, inclusive de idéias. E estão aqui as minhas, apresentadas deforma muito honesta. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT/RO) - Obrigada, Senador GeraldoMesquita. Queria apenas combinar uma metodologia. O Deputado Henrique Afonso pediu a palavra. Como não há nada acertado regimentalmente, gostaria que vocês tambémnos ajudassem a construir, citando os pontos de discordância em relação aoprojeto, para, na próxima rodada, sabermos o que teremos que apresentarpara esclarecer melhor as dúvidas que pairam sobre o projeto. Deputado Henrique. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - Senador Geraldo Mesquita, numaironia, V. Exª conhece a minha franqueza e sinceridade em tudo o que eufalo, o que me é peculiar, característica própria. Pegando a mulher adúltera, como é dito na Bíblia, é verdade que oSenhor ali despejou amor naquela mulher. Depois de dizer: "Quem não tempecado atire a primeira pedra", Ele disse: "Vai. Nem eu também teincrimino, mas não peques mais". Veja aí que houve uma separação: amor àquela mulher como ser humanoque precisa ser realmente foco do amor de Jesus, mas Ele deixou clarotambém que a prática do adultério não era aceitável. É só um complementoao que V. Exª falou que considero importante para se entender também anossa posição. Quando o Caio diz que os homossexuais estão na Igreja Católica e naIgreja Evangélica, isso para nós é uma alegria muito grande. Nósconstatamos isso. Tenho certeza de que as Igrejas Católica e Evangélicanão estão, absolutamente, fechadas. Pelo contrário. Isso serve para secomprovar que não há nenhuma discriminação, nenhum preconceito, peloconhecimento que temos do ser revelado por Deus na sagrada escritura e doque Deus pensa sobre a questão da homossexualidade. Quando você olha para um pastor ou para um padre que tem a palavra deDeus como sua regra de fé e de prática, ele terá um posicionamentoconcreto, mas jamais um olhar de discriminação ou de preconceito. Então, eu queria, Senador, dizer que serei um pouco mais prático,porque essa questão da criminalização realmente cria alguns conflitos,alguns problemas para nós. Entretanto, dado esse relato que vocêsapresentam, ela tem que acontecer. A Câmara aprovou - e vou falar sobre as penalidades impostas - a Leinº 7.716. E vocês percebem que não foi incluído, quando ela diz: "Serãopunidos na forma desta lei os crimes resultantes de discriminação,preconceitos de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional", gênero,sexo, orientação sexual e identidade de gênero, que foram incluídosposteriormente, por uma questão de defesa dos direitos humanos. Evidentemente, existe uma situação relativa aos homossexuais, que sãovítimas do preconceito, da discriminação. Isso é real. Quando o Dr. Ivairestava falando de um homossexual sendo arrastado... É importante falarsobre isso, para saber. Nós temos um posicionamento muito firme. Sei oquanto ele tem sido vítima do preconceito e da discriminação. Então, não temos nenhum problema em relação à inclusão, embora essaquestão de gênero seja problemática, se formos analisá-la. Colocamos: "A praticar o empregador ou o seu preposto ato de dispensadireta ou indireta", depois vem, no art. 5º: "Impedir, recusar ou proibir oingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ouprivado, aberto ao público, conceder, recusar, negar, impedir, preterir,prejudicar, retardar ou excluir qualquer sistema de seleção educacionalrecrutamento ou promoção funcional ou profissional", "Sobretaxar, recusar,preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares","Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição,o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquerfinalidade", "Impedir ou restringir a expressão e a manifestação deafetividade em locais públicos ou privados, abertos ao público". Segundo a Constituição Federal - e faço questão de ler - "ninguém seráprivado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção defilosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigaçãolegal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixadaem lei". Ainda, conforme o inciso VI, "é inviolável a liberdade deconsciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultosreligiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e asuas liturgias" e "Todos são iguais perante a lei, sem distinção dequalquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes..." Não tenho dúvida de que há questões que precisam ser explicitadas nemde que existe hoje, no nosso meio, a radicalidade de ser completamentecontra esse projeto de lei. Mas devemos observar que algumas questõesprecisam ser regulamentadas. Agora, o que nos "coloca" é essa questão de criminalizar pelo fato deuma pessoa tecer uma consideração ou proferir, seja numa palestra ou numculto ou, de repente, diante de dois homens se amando em frente a umaigreja, numa praça pública, alguém chegar e dizer: eu não concordo comisso, não aceito isso, e ser criminalizado por isso. Por que o Estado brasileiro, o Congresso Nacional vai dar o direito deos homossexuais se amarem publicamente se a eles é dado pela Constituição,no art. 5º, o direito a sua privacidade? Por que nós temos que especificarisso? E por que também vamos criminalizar? Vejo aí uma situação que, para mim, Dr. Ivair, é conflitante. Devemoschamar realmente uma parte significativa da sociedade - e não disponho deestatísticas aqui para saber até que ponto... E essa questão do direito aoculto, à crença. E estou mencionando uma situação em que estamos aqui promovendo,posteriormente, um grande ato de desobediência civil. Segundo o Senador, aIgreja não pode falar disso. E quando o padre resolver falar disso e umhomossexual estiver na igreja e, de repente, entrar com um processo contraum padre ou contra um crente? Aí você vai dizer: mas isso é preconceito.Não, não é preconceito, porque nós - e posso falar dos evangélicos - tambémtemos o nosso marco regulatório nos nossos estatutos, na nossa doutrina,para dizer como os heterossexuais, inclusive jovens e adolescentes, devemse portar na sociedade - não é só na igreja, não -, no noivado, no namoro. Isso é discriminação contra eles? Absolutamente. Então, é um ponto de vista que está sendo apresentando aqui. E o medoque nós temos, Dr. Ivair - e estou falando em receio -, é de que essediscurso do Senador, com todo o respeito que tenho a S. Exª e a suaformulação... De repente, o Henrique é a favor da homofobia. E o debatenão é esse. É claro que o objetivo é combater as violências que oshomossexuais têm sofrido na sociedade, a violação dos seus direitosfundamentais inalienáveis, como a vida e a integridade física epsicológica. Numa sociedade pós-moderna como a nossa, a própria palavra de Deus nosdá essa segurança. O ato de Jesus foi de confirmação do art. 5º, sim!Inclusive ao garantir a inviolabilidade do direito à vida daquela mulher, asua integridade. E o Evangelho é posto dentro desse cenário. Por último, quando menciono essa questão do art. 8º, "a" e "b", essa éa questão que se coloca em relação à Bíblia sagrada. Mexer com a Bíbliasagrada... E depois você poderá me corrigir, porque está por dentro domovimento dos homossexuais no Brasil, o que vai nos ajudar, porque fuirepreendido por ter usado esta expressão "homossexualismo", não pormaldade, mas por desconhecimento. Devemos ter humildade. E você vaiabsorvendo. Todos temos a capacidade de aprender rapidamente, sem nenhumaironia. Mas uma coisa que me preocupa é a questão da união civil. E o debatenão é sobre isso. Estamos falando aqui da criminalização. Como esse é o debate central para vocês, a Bíblia também é para nós.E olhe, Senadora Fátima, que, se Deus me botou aqui no Congresso Nacionalno segundo mandato, e nós cometemos algumas falhas - e é preciso reconhecerisso -, estamos vendo a Bíblia sair devagarzinho de dentro das escolas. Eagora querem retirá-la de dentro da Igreja. A minha maior preocupação,nesse art. 8º, é tirar a Bíblia do cenário nacional. E aquele que estiverutilizando... Isso não é exagero. Qualquer homossexual pode dizer: vocênão tem o direito, porque está ferindo uma lei que nós aprovamos. Em Levítico, em Romanos, em Coríntios e em outras passagens que nãoprecisamos citar aqui é preconceito, é discriminação. Então, não voumencionar a Bíblia. Mas aqueles que a usam e têm a sua regra como fé eprática, como no meu caso, estariam enquadrados. E muitos homens emulheres de Deus que têm a Bíblia como sua regra de fé e prática vão para acadeia, porque não vão negar. Por isso estou chamando para o diálogo, Dr. Ivair, porque esse diálogonão é radical, a meu ver. Eu sei qual é o diálogo que existe entre nós. Eàs vezes há o preconceito - aí sim, eu concordo - por não conhecer aprofundidade do problema. Só lidamos com a profundidade do problema quandoa conhecemos. E queremos elevar os direitos à cidadania. Queria saber do Caio por que esse direito de expor publicamente essaquestão das relações afetivas. Por que isso? Percebemos que essa tem sidouma questão conflitante nesse projeto. Estamos aqui conversando com o amor fraternal que sentimos, com o amorde Jesus, que está em nós, está em vocês. Nós percebemos a necessidadedesse marco regulatório, agora essa questão traz dificuldades e coloca emxeque o grande problema que pode haver lá na frente, com o manuseio dapalavra de Deus dentro das nossas igrejas, em relação à nossa liberdade. O SR. TONI REIS - Essa é uma posição do Deputado Henrique Afonso, doPT - AC, ou foi discutida na Frente Parlamentar pela Família? Essa é umaposição sua, exclusiva, ou é uma posição mais ou menos afinada? Isso éimportante para nós, para se estabelecer o diálogo entre as pessoas queestão aqui, indicadas pela Frente Parlamentar pela Família. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - Eu não sei. Fiquei até preocupadocom algumas questões de ordem prática, porque não esperava que isso fosseacolhido, Senadora. Para mim, esse é um assunto extremamente complexo.Este é um debate que tenho amadurecido. Faremos um fórum, dentro da FrenteParlamentar Evangélica, onde nós vamos apurar a queixa sobre o debate queeu estou apresentando como Deputado Federal. Quanto à questão do PT, eu mereservo, por conta das resoluções que você conhece muito bem em relação aesse assunto da liberdade de expressão e da orientação sexual. Então,estou aqui falando como Deputado Henrique Afonso. E espero, Senadora, quehaja pelo menos mais uma reunião, porque, assim como o Padre Cláudio, queaqui veio pela CNBB, precisa voltar para aprofundar mais o debate, eupreciso também, dentro da Frente Parlamentar Evangélica, que, como eudisse, tem questões que precisam ser discutidas. E aqui vocês enriquecem.O grupo de trabalho serviu para enriquecer o debate. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT/RO) - Deputado Afonso, acreditoque a nossa assessoria tenha informado ao convidá-lo que nós estamosiniciando o trabalho do grupo. Na Comissão, deixamos bem claro que nãocontinuaremos com esse grupo ad eternum. Ele tem um limite de tempo, atéporque esse projeto ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça,onde se discutirá o mérito da constitucionalidade. Portanto, esta é apenasa primeira reunião do grupo. Queremos dar voz a todos aqueles que representam entidades nacionais equeiram vir aqui para apresentar os seus pontos divergentes e submeter àdiscussão em torno desta mesa. Fizemos questão de nos sentar numa mesa atépara, simbolicamente, mostrar a nossa disposição de nos olhar frente afrente e construir um projeto que seja compreensível e aceito por toda asociedade. A minha intenção como Relatora é essa. E até o presentemomento não consegui ainda me convencer do contrário em relação àquilo querelatamos inicialmente. Mas estou aberta para ouvir. Há um ditado que dizque Deus nos deu dois ouvidos para ouvir e uma boca só para falar. Então,temos que ouvir mais. E quero me cansar de ouvir, para ser convencida eservir de instrumento do grande consenso que espero que possamos construirem torno desse projeto, para que ele navegue tranqüilamente no futuro. Então, a Frente será convidada quantas vezes for necessário e poderámandar um representante, assim como outras entidades que também quiserem. Vamos encerrar essa rodada de hoje e, na próxima, aguardaremossugestões por parte de vocês e de outras pessoas que queiram vir aqui paradiscutir conosco. Por enquanto estou ouvindo e quero ouvir muito mais ainda, até para meconvencer de alguma contrariedade quanto ao que está escrito no art. 8º. Sinceramente, honestamente, como diz o Senador Geraldo Mesquita, aindanão detectei no texto da lei - e não estou olhando do ponto de vistareligioso, mas como legisladora - nenhuma agressão à Bíblia ou a um pastor. E gostaria de lembrar o que foi dito pelo Toni Reis, que é Presidenteda Associação Brasileira da GLTB, na primeira vez em que nos reunimos paradiscutir a forma como trabalharíamos, no sentido de que já hájurisprudência e legislações em vários Estados e Municípios brasileiros hátempos. E nunca nenhum pastor ou bispo foi preso, nunca ninguém falousobre a necessidade de se retirar a Bíblia da Igreja. Então, é importante discutir o projeto do ponto de vista da legislaçãodo Estado sobre uma situação que é real para a nossa sociedade. E, apartir daí, buscar um consenso sobre algo que resguarde a cidadania dessaparte da sociedade. Essa é a minha obrigação como legisladora. É paraisso que estamos aqui. Portanto, sinceramente, se eu ouvisse falar que alguém mandou retirara Bíblia de dentro da Igreja, embora não seja uma católica de estar todosos dias na igreja, apesar de ter as minhas convicções religiosas bemprofundas, não toleraria isso, assim como não toleraria qualquerdiscriminação contra pastor ou bispo ou qualquer Parlamentar pelas suas... O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - E como um pastor vai se posicionar arespeito da questão da homossexualidade? A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT/RO) - Eu gostaria agora de ouviro Caio, para, com o tempo, desnudar essas situações que estão sendoapresentadas e que eu gostaria de riscar do nosso diálogo, porque dizemrespeito ao fundamentalismo. Não podemos ser fundamentalistas nem de umlado nem de outro. O SR. CAIO VARELA - Senadora, eu gostaria de encaminhar a próximareunião pensando em algumas coisas, tentando, sem nenhuma prepotência,responder a algumas questões. Estamos fazendo um debate aberto, tranqüilo,sem intenção de incriminar ninguém, pelo menos a priori. Esse não é onosso intuito aqui. Ninguém veio aqui para isso. Mas gostaria que nósfizéssemos um debate realmente. Nesta Casa, onde o papel é de legislar, devemos discutir a cidadania,a garantia de direitos. Quanto à questão da Bíblia, eu tenho vontade, como cristão que sou, detrazer a Bíblia. Por exemplo: em Levíticos, ao lembrar capítulos eversículos, há algumas passagens que dizem que o homem que fizer a barbadeve ser torturado, que o homem que tiver relações com a mulher menstruadaa sua família, se não me engano, suas quatro gerações serão impuras. Issoestá escrito lá, e não é seguido. E, citando exemplos que o Senador deu, as mulheres que contestavam osseus maridos eram consideradas bruxas e queimadas na fogueira. Hoje, issoé inadmissível. Eu lutaria contra qualquer um nesta sala, qualquer homemque dissesse que as mulheres que estão nesta sala deviam ir para a forca oupara a fogueira porque têm uma posição discordante do seu companheiro. Então, essa discussão da Bíblia, Deputado, façamos, como cristãos,evangélicos, judeus, enfim, qualquer religião que queira fazer essadiscussão. Façamos isso, até para melhorar as nossas religiões, porquenenhuma religião pode dizer que é perfeita. Todos nós, como seres humanos,estamos aqui para melhorar. Então, tratemos isso num outro espaço, noespaço onde isso deve ser feito, que é a Igreja. E eu me disponho, aqualquer momento, com qualquer Igreja, a fazer esse debate, como cristãoque sou, com todo carinho e amor dentro do meu coração. Agora, estamosaqui falando de afetividade. Eu tenho uma pergunta para o senhor, Deputado. Se o senhor quiser meresponder, que me responda, por favor, porque, de alguma forma, ela érelacionada com a sua intimidade. Em algum momento, na sua vida com a sua companheira, quando o senhorestava andando pela rua, indo com ela ao cinema ou a um restaurante, epegou na mão da sua companheira, o senhor parou para pensar se poderia ounão fazer isso? Provavelmente não. O senhor simplesmente pegou na mão da suacompanheira e entrou no restaurante ou no cinema. E o senhor não fezaquilo para mostrar nada para ninguém na sociedade. O senhor fez pelaafetividade que tem pela sua companheira. Se eu fizer isso com o meu companheiro corro o risco de ser espancadoou de ser assassinado. Temos aqui denúncias de um caso que aconteceu na Paraíba. Tinha umgrupo de amigas que foram para lá passar férias e foram para umrestaurante. E havia duas moças jovens, lésbicas. Uma passou a mão norosto da outra no restaurante. De repente, jogaram a conta em cima damesa. Elas perguntaram o que estava acontecendo. O garçom disse para elasse retirarem. Elas chamaram a gerência, que nem respondeu. E, quando elasfizeram algum movimento no sentido de protestar, de perguntar por que, nãofoi nem dito para elas o porquê. Elas foram espancadas pelos seguranças dorestaurante. Foram postas para fora do restaurante e espancadas. É essa adiscussão sobre a afetividade. E há uma outra questão: eu sou cidadão igual ao senhor, igual àSenadora, igual a qualquer um. Por que não posso ter o direito dedemonstrar a minha afetividade? E concordo com o senhor. Creio que foi osenhor mesmo quem disse, ou foi o Senador, que certas manifestaçõesheterossexuais também são proibidas. Concordo com isso. Pode parecer contraditório - e não falo como GLTneste momento -, mas eu, por exemplo, contesto algumas manifestaçõesheterossexuais visíveis. Tenho interesse em que cada vez mais o ser humanoentenda que a sua sexualidade faz bem para a saúde, faz um bem maravilhosopara a sua vida, mas não considero interessante, por exemplo, que criançasvejam algumas manifestações sexuais. Isso, para mim, não é uma questão dehomo ou de hetero; isso é de todos. E acredito que a discussão não é essa. Discordo veementemente do senhor, Deputado, quando diz que os direitosprivados já estão garantidos. Se a discussão vale para dizer que nós,homossexuais, gays, lésbicas, transexuais ou travestis, temos a garantia doespaço privado para essa afetividade, isso é uma discriminação, porque nósnão temos esse espaço. Eu sou cidadão como qualquer outro. Por que tenhoque considerar o privado como o espaço específico para essa manifestação?Isso é uma violação de direitos. É isso que estamos discutindo: violaçãode direitos. Isso é, de fato, uma discriminação e uma violação dedireitos. Nesse caso, nós temos que ter acesso à igualdade. Para concluir, eu queria sugerir, então... Nós temos, nas nossasorganizações, vários registros de denúncias relacionadas à discriminação emespaços públicos. O constrangimento, a violência e, em alguns casos, até oassassinato de homossexuais por manifestar a sua afetividade em lugarespúblicos. Então, sugiro pesquisar junto a organizações que fazem parte domovimento homossexual brasileiro todos esses dados, para apresentar paraeste grupo de trabalho. E não se trata de uma questão de convencimento.Posso não conseguir mostrar, Deputado, para o senhor, toda a realidade, queé muito pior do que se imagina. Eu mesmo, enquanto não era do movimentohomossexual, não tinha a menor idéia de quão violento era isso, de quãotriste e tenebrosa era a situação do homossexual no País. Então, vamosapresentar dados e informações que mostrem essa violência no nosso País. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Não quero me alongar, porque tenho umcompromisso, mas queria dizer uma palavrinha ao Senador que não está maispresente. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT/RO) - Nós estamos gravando e elepoderá ter acesso ao que for dito. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Quanto ao que ele disse com relaçãoaos erros da Igreja, ele sabe que a Igreja cometeu erros durante dois milanos que foram reais. Só que talvez ele não tenha atinado para o fato deque o Papa João Paulo II - não estou certo do ano preciso -, em 1988 ou1989, pediu perdão em nome da Igreja por uma série de questões, porque,durante o período que o antecedeu, a Igreja, de fato, cometeu erros. Então, eu queria dizer que é verdade, sim, que a Igreja condenouGalileu porque ele defendia a cosmologia de Copérnico. É verdade. E oPapa pediu perdão exatamente por a Igreja ter condenado Galileu de modoinjusto. Uma segunda coisa que também acredito que seja importante de se dizeré que a Igreja é vista pelos outros como aquela que quer ser a grandedetentora da verdade. E todos são vistos como inferiores. Isso não é verdade. Nós devemos ser fiéis àquilo que recebemos comodoutrina do Evangelho. Essa é a verdade para nós. Mas a Igreja reconhecetambém que a verdade se manifesta de outros modos, em outros lugares quenão sejam unicamente nela. Isso é algo que não vem ao caso discutir aqui,mas de se afirmar simplesmente. Com relação especificamente ao projeto de lei, a priori eu pensava emnão fazer nenhuma manifestação aqui, como a pergunta foi feita ao senhor.Mas estou representando uma instituição que sabemos que no Brasil tem umpeso muito grande. E basta um deslize deste tamanhozinho para se criar umapolêmica enorme na imprensa. Haja vista, por exemplo, a questão da"praga". É verdade a questão da "praga". Dizem por aí que narrar o fatoacontecido com documentos, a orientação papal que saiu agora... O Papa, emlatim, escreveu a palavra plaga, que foi traduzida para o italiano piaga,que, em português, seria "chaga", ferida. Agora, do italiano, ela foitraduzida para o português como "praga". Mas a palavra plaga não temtradução para o português como "praga", mas esse é um caso que já foiesclarecido. Se pegarem a tradução oficial do documento para o português,no número 29 está o termo "chaga", ferida fechada; não é "praga". Agora, o que me causa uma interrogação nesse caso é que João Paulo II,o Papa anterior falou que o divórcio de fato era uma praga no tempo atual.Isso foi em 1981. E para ele não foi dito nada. Talvez Bento XVI já tenhauma fama de ser carrasco, mas isso não vem ao caso. Vou dizer pelo menos três opiniões, recordando conversas das reuniõesque antecederam esta. Em fevereiro mais ou menos, tivemos uma reunião dosbispos responsáveis pelo Brasil, aqui em Brasília, sobre essa questão. O art. 4º, por exemplo, diz o seguinte: "A praticar o empregador ouseus prepostos ato de dispensa direta ou indireta". O texto é bem preciso, mas vamos parar para pensar. Tenho, por exemplo, uma sobrinha de um ano e dois meses. Imaginemosque colocássemos em casa alguém para ser babá dessa menina e viéssemos adescobrir com o tempo que a pessoa era homossexual e que tratasse de modoindevido a criança, que não tem como se defender. Agora, a pergunta que sefaz é a seguinte: depois de descobrir isso, eu teria ou não o direito dedispensar essa pessoa porque estava tratando a criança de um modo que, paraa família, seria inadequado? A babá estaria tratando a criança dessejeito. O SR. CAIO VARELA - Também somos radicalmente contra a pedofilia. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Essa é uma questão. Não vamos qualificar o ato, mas o tratamento dispensado por parte dababá, por exemplo, a uma criança. Vamos nos colocar no lugar de umacriança que sofra assim. O art. 5º me causa, pessoalmente, e também aos bispos, uma certapreocupação: "Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ouexcluir em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento oupromoção funcional ou profissional". Trabalhei, durante três anos e meio, como reitor de seminário, naformação de padres, e tive que dispensar alguns seminaristas que afirmaramter a opção sexual pelo homossexualismo. E os bispos perguntaram o seguinte, em fevereiro, numa reunião: "Senós dispensarmos, por exemplo, um seminarista que seja comprovado, e nãoagirmos por suposição, mas sempre com fatos concretos, que tenha essa opçãosexual e de fato a realize concretamente, teremos ou não o direito dedispensá-lo da instituição? Se nós o dispensarmos, seremos punidos porinsulto?" Essa pergunta me faz recordar, por exemplo, os atuais escândalos daIgreja Católica nos Estados Unidos. Quantas e quantas arquidioceses nosEstados Unidos pagaram uma fortuna porque um padre que deveria ser oprimeiro a colaborar na formação da consciência das pessoas acabou sevalendo da sua situação para se aproveitar das pessoas devido a sua opçãosexual? Nós, que devemos zelar pelo bem, do ponto de vista da fé e do ponto devista humano também, pela boa formação das pessoas, se descobrimos comfatos concretos que esse candidato é homossexual... Eu dispensei padre comtrês anos e meio, mas tive a caridade de dispensar e depois oferecer àpessoa a ajuda de que ela precisava para se encontrar como ser humano nasua vida, porque o mundo dela caiu quando eu lhe disse que de hoje emdiante não poderia mais participar do seminário. Em seguida, o que eu fiz? Eu não a deixei lá: agora você vai embora, não quero mais saber de você.Agora, vou cuidar de você naquilo que for necessário, com o acompanhamentopsicológico e ajuda econômica mesmo. Então, são questões delicadas. Se por acaso se concretiza o projetode lei como uma lei a ser praticada no Brasil, imaginemos a dificuldade queteremos, por exemplo, no que se refere à relação interna de formação nossa. É uma questão a se pensar. Repito que tenho um carinho muito grande pelas pessoas. E o que elasfazem para ser respeitadas e amadas é ser pessoas. A lei garante isso.Mas, na realidade concreta, às vezes, as pessoas criam dificuldades com asoutras talvez pela opção que elas tenham feito. Por fim, uma última observação também com relação ao art. 8º, que jáfoi citado aqui pelo Deputado: "Impedir ou restringir a expressão e amanifestação de afetividade em locais públicos ou privados, abertos oupúblicos, em virtude das características previstas no art. 1º desta lei". Nós prezamos pelo bem das pessoas. Então, do mesmo modo que eu tenhoo direito de fazer aquilo que eu quero, tenho o dever de respeitar também ooutro. Isso é verdade. Mas o grande drama que enfrentamos vale tambémpara o heterossexual. Às vezes, nós assistimos em praça pública expressõesheterossexuais de namoro que escandalizam, degradam a humanidade como tal. Acredito que a lei deveria cuidar também dos homossexuais, garantindoque houvesse respeito em lugar público pela pessoa humana como tal,independente da questão do homossexualismo. E falamos isso com a maior caridade possível, porque não temos nenhuminteresse de ofender ninguém pessoalmente. É lógico que, no próximo encontro, se por acaso eu for designado pararetornar ou se vier outra pessoa, o Senador, por exemplo, sugeriu que secriasse a pastoral do homossexual. Como eu falei, nos dias 6, 7 e 8 de março, houve um encontro em Bogotásobre o cuidado pastoral específico em relação às pessoas homossexuais,porque a Igreja se dá conta de que muitas pessoas se encontram na situaçãoem que não podem ser tratadas de modo qualquer. Não podem ser renegadas,não podem ser discriminadas, mas devem ser tratadas e ajudadas, porque,repito, são pessoas que sofrem discriminação e pelo fato de às vezes, nãose importando consigo mesmas, se verem em situações profundamentedelicadas. Então, em outra ocasião, poderei trazer observações mais pontuaissobre a lei, assim como outra pessoa que virá, talvez mais especializada noassunto do que eu. Agradeço a todos. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT/) - Obrigada, Padre Cláudio. Dr. Ivair. O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - Queria dizer que fico muito feliz coma sua intervenção, Deputado. Participei de uma reunião com vários evangélicos. Quando comecei atrabalhar com a homofobia, inclusive com o meu colega, participamos dereuniões, e essa é uma posição bastante avançada. Uma coisa boa na sua fala mostra que há unidade em relação ao tema.Ou seja, você não sabe tudo. Às vezes, sinto uma empatia pela sua fala. Equeria contar para o senhor uma experiência que vivenciei em relação a esseart. 8º, que me chamou muito a atenção. Num sábado à noite, na Praça da República, em São Paulo, dois jovensestavam de mãos dadas, sem fazer nada. Estavam batendo papo. Passou umgrupo de outros jovens de cabelo raspado, falando: "Olha, elas estão demãos dadas". Aí um correu. O outro, não; ele ficou. Esse cara apanhou.Depois de deixar o cara jogado lá, o pessoal saiu e foi tomar cerveja. Esse fato de se achar no direito, porque viu duas pessoas de mãosdadas, de chegar lá e matar é um negócio... Como alguém pode se achar nodireito de agredir o outro porque está de mãos dadas? Mas isso aconteceu somente naquele caso? Não. Em qualquer ambientepúblico, se duas mulheres ou dois homens caírem na besteira de ficar demãos dadas, outra pessoa vai se achar no direito de dizer: vou bater neles. Vou espancar. E os que estão em volta dizem: tem que ser mesmo e tal. Essa prática, o que fazer com isso? Como o senhor vai trabalhar comessa situação? Em qualquer espaço público as pessoas fazem isso. Essa éuma questão. A outra questão que eu queria comentar também é interessante. Eu dou vários cursos para policiais. Quando abordamos o tema dohomossexual, sabe qual é a resposta que eles me dão? "Ah, mas eles estavamse mostrando!" Isso quer dizer o seguinte: o fato de as pessoas existirem, para opolicial, gera uma agressão. Então, tem que prender, tem que espancar. Como se enquadra esse tipo de situação? As pessoas estão ali, elepegou na mão dele e pronto. Eu vi e não gostei, então vou bater nele. Vouespancar. Sai daqui; você não pode ficar aqui! Como se convive com isso? Houve outra situação que me chocou muito. O senhor tem idéia do nívelde escolaridade de travestis? O senhor tem idéia, Padre? O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Segundo grau? O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - Não. Quase 90% são analfabetos.Você vai falar: mas não é possível! O cara não sabe ler. E você pergunta:"Por que você não sabe ler?" "Olha, vou lhe contar a minha história. É oseguinte: eu pegava um ônibus para ir para a escola. Passavam outros nosônibus e alguém para me espancar. Eu tinha que descer, ir a pé para aescola. Se eu não chegasse na escola... Chegava na escola, outro tipo deagressão dos colegas e tal, do diretor, do professor e tal". Você acha que nós podemos tirar o direito do indivíduo de estudar?Como alguém pode conceber que eu não vou tirar... "Não, você não podeestudar aqui, não, porque você é um travesti." E eu tenho o apoio dodiretor, do professor... Não é um caso que eu vi; eu vi vários casos. Como eu, como reitor ou como diretor de uma escola, posso cometer umato tão vil como este: "Você não vai estudar, você não vai aprender a ler eescrever aqui, porque eu acho que você é gay, e gay não pode estudar". Nãoestou falando de posse; estou falando de coisas que vivenciei nesses anostodos. Esse quadro é de uma agressão, uma violência tão grande que eu penso:será que estou vivendo no mesmo País? É cotidiano. E as pessoas toleram:tudo bem, pode ser. Não é uma coisa que as pessoas recriminam. Elastoleram! O professor tolera, o reitor tolera, o diretor tolera: "Não, temque ser assim mesmo". Espere um pouquinho! Eles não têm o direito básico de ir e vir, nãotêm o direito básico de estudar. Não é ensino médio! É aprender a ler eescrever! E quando se coloca um artigo desse, "eu me sinto perseguido". Juro, Padre, fale de qualquer outro artigo, mas esse de garantir oacesso à escola? Esse me chocou. Ou você não viveu o que eu vivenciei emtermos de dor, de a pessoa não poder estar na escola... O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - Não, você não entendeu bem. O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - O artigo é sobre isso: acesso àeducação. Vamos ver a sua posição como reitor. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - Você teria que me dar um aparte paraexplicar. O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - Eu entendi a sua fala. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - Eu queria falar sobre algumas coisasque são complicadas. O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - Por favor, pode dizer. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - É importante elucidarmos isso. Evidentemente, a questão do preconceito, do espancamento... Nós játemos um sistema jurídico que estabelece isso, embora o nosso sistemanacional de segurança seja muito frágil. Como não existe punição para opreconceito? Isso é relativo em face dos determinantes culturais,econômicos, sociais, inclusive. Mas vamos ter uma norma, um marcoregulatório para criminalizar o preconceito. Não vou falar doespancamento, da lesão corporal, porque isso é falha do sistema desegurança que nós temos no nosso País. A isso os homossexuais já têmdireito. Vamos colocar os homossexuais na amplitude da conquista dosdireitos de cidadania como qualquer outro cidadão, senão estaremosmarginalizando, discriminando. Agora imagine se os trabalhadores rurais resolvem também buscar umanormativa devido ao preconceito e à discriminação que eles têm sofrido noBrasil. Estou tentando, no âmbito do Sistema Único de Saúde, para você vercomo é uma coisa séria. Não estou me colocando, absolutamente, contra aprática que tem sido de violação dos direitos dos homossexuais,principalmente no que diz respeito à sua integridade física e psicológica. Então, os trabalhadores rurais, pessoas pobres, em ambiente derestaurantes, de ônibus e em outros ambientes que sabemos que são altamentediscriminados. Estou tentando não privilegiar, mas priorizar ribeirinhos,trabalhadores rurais no Sistema Único de Saúde. Não consigo, porque sãodiscriminados, são vítimas do preconceito. Estou preocupado com o precedente jurídico que nós vamos abrir aqui,sem nenhuma dúvida. Na questão do art. 5º, parece que foi o Padre quem falou do sistemaeducacional. Ele citou aqui uma situação específica que não é só doscatólicos, mas também dos seminários evangélicos, porque aí entra a questãoda liberdade de crença, da liberdade religiosa. E isso está assegurado naConstituição, art. 5º, incisos IV, V e VI. É aí que podem se estabelecer conflitos no âmbito da aprovação dessalei, para os quais nós temos que estar preparados. Por isso eu digo, Senadora, que pastor e padre serão presos. Pensamosque isso é apenas alarde ou pirotecnia, mas verdadeiramente quando, noseminário, seja ele evangélico ou católico, for identificado... Inclusiveeu não havia atentado para a relação entre o empregador e o empregado. Masaí entra uma questão de ética e outras questões que precisam seranalisadas. Então, eu queria elucidar para que nesse debate nós examinássemosesses pontos que são conflitantes, porque precisamos tratar e ter uma saídapara esse projeto de lei. Por último, eu queria dizer que vou voltar a conversar com a FrenteParlamentar Evangélica, nós vamos abrir um debate. Por isso estou dizendode uma coisa que esse debate nos trouxe, para que pudéssemos nosfamiliarizar com cada corrente de pensamento que está posta aqui. E, Caio, o fato de estarmos representando o pensamento religioso nãoempobrece, absolutamente - nem você quis dizer isso -, o debate que estáposto aqui. Mas é uma realidade que precisa ser respeitada e consideradano conjunto do debate. E olhe que somos poucos ainda. Muito obrigado. O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS - Vou dizer a minha impressão sobre asua fala. Por mais que o senhor tente me dizer que há controvérsias no que nósfalamos, eu não consigo perceber. Pessoalmente, não consigo perceber. O senhor não é contra, de forma alguma, que as pessoas tenham direitoao sistema de ensino. Não falei se o sistema seria A, B, C ou D. Quando falamos disso aqui, estamos falando de tudo isso. A minha realidade de arrumar soluções para esses casos, eu quero que osenhor divida comigo. Assim como eu cobro do senhor com relação aosribeirinhos, e eu sei que está assim, vamos tentar pensar no que fazer.Vou citar outro exemplo: dois policiais estão caminhando numa rua deSalvador. E ali estão dois meninos conversando. "Esses caras são gays."Apontam uma pedra: "Entrem no mato". "Mas..." "Entrem no mato!" E o caramorreu porque... Quer dizer, bastou o cara olhar: "Ah, não, você é gay". Essas manifestações que estão previstas no art. 8º, queria saber comoo senhor resolve comigo, porque estou falando do Estado, estou falando doprofessor, falo de policial... Bastou o cara imaginar o que o outro estavafazendo para decidir: "Eu vou agredir". Então, essas manifestações explícitas... O senhor não faz idéia do queé o poder do Estado quando decide reprimir o que acredita que está errado.Não há meio-termo. O cara morre pelo poder daquela força. Se começarmos a mexer nesses artigos, teremos que mexer empraticamente todo o sistema de direitos humanos, porque esse artigo estábaseado numa convenção internacional da OIT, que é a garantia de igualdadede acesso ao emprego. Então, você tem que dar respostas para outras questões. Não me atrevo a fazer nenhum tipo de discussão sob o ponto de vistareligioso, mas, em termos de direitos humanos, cada vez que o senhor mexernum artigo daqui, vou querer saber o que fazer com a minha convenção.Quero saber o que fazer com a convenção de educação, com a convenção daOIT. E quero dividir isso contigo, assim como também quero que você meajude na minha experiência de trabalhar com situações concretas, não comhipóteses. É o dia-a-dia concreto do poder do Estado reprimindo porqueacha que aquele cara... Não é uma questão; é arbitrário. Não vi um oudois casos; vi uma centena de casos nesses dez anos que exerço uma funçãoem direitos humanos. Desculpe, Senadora, a minha exaltação. Foi um pouco do que disse oDeputado que inspirou esse desabafo. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Concedo a palavra ao Sr.Toni Reis. O SR. TONI REIS - Vou ter que me ausentar por causa de meu vôo paraCuritiba, mas quero dizer que o debate foi muito interessante,principalmente o aparte de nosso companheiro, um heterossexual convicto,mas um grande humanista, representando o nosso Presidente da República, edefensor do Programa Brasil sem Homofobia. São 10 anos de experiênciadentro do Conselho Nacional contra a Discriminação. Sugiro que passemos a limpo caso a caso, todos os casos. Vamos abriresse debate. Isso é muito importante. E eu não poderia sair daqui, Deputado, sem dizer algumas palavras parao nosso entendimento. Como o senhor colocou, vamos fazer um debaterepublicano, democrático e com muito respeito. A homossexualidade foi tirada do Código 302.0, da ClassificaçãoInternacional das Doenças, no dia 17 de maio de 1990, Dia Internacionalcontra a Homofobia. Falar homossexualismo nos ofende. Não somos doentes.Hoje, queremos ser tratados como cidadãos. Usar a palavra homossexualismonão pega bem. Para nós é como falar "seu preto", e isso não é legal.Estamos aqui para aprender, e quero aprender muito com os senhores nessedebate. A outra questão é a seguinte. Sou especialista, sou mestre edoutorando e em nenhum momento de minha vida eu optaria por estar aquiagora pedindo para que o Estado me respeitasse. Eu não optei. Não é opção.Eu não marquei "x". Já fui seminarista - vou contar um pouco disso -, irmãomarista. Tenho toda uma relação com a religião, com a Assembléia de Deus.Entendo um pouco de Bíblia. Nós não optaríamos. Então, não é opção sexual.Na Psicologia já existe um parecer, a Resolução nº 001/99, e consideroimportante que os senhores tomem conhecimento dela. Hoje falamos com aPresidente do Conselho Federal de Psicologia e ela também gostaria de seposicionando sobre isso. É orientação sexual. Não é opção, é para onde suavida está direcionando. Não é opção. Eu não fiz opção. Falo em nome danossa comunidade: ninguém opta por ser motivo de assassinato, por serdiscriminado, por ser violentado. Não é opção sexual. Não é uma opçãodeliberada. Podemos até discutir cientificamente esse ponto. É orientaçãosexual e identidade de gênero, no caso das travestis, que se identificamcom o sexo masculino ou feminino, dependendo da pessoa. Para usarmos osmesmos termos: não é opção sexual, mas sim orientação sexual. Falo isso atítulo dele de aprendizado. Estamos discutindo um tema importante eprecisamos falar a mesma língua. Deputado, especificamente para o senhor, quero dizer que foiinteressante toda sua explanação. Como disse o nosso amigo Ivair, nossogrande batalhador enquanto Estado, representando o Estado brasileiro aqui,devemos nos aprofundar nos temas abordados pelo senhor. Vamos manter orespeito. Não queremos aceitação. Todos os pastores, padres não precisamaceitar a homossexualidade. Cada um tem sua posição. Nós só queremosrespeito, nem mais nem menos, direitos iguais. Estou lutando por isso há 25anos, e lutarei até o fim da vida. Eu não morrerei enquanto neste País nãoformos tratados como cidadão. Não precisam me aceitar. Convivo muito bemcom meus pastores. Eu e Takayama, meu grande amigo, viajamos sempre juntos.Ele fala assim: "Tony, é um problema tua prática. Não aceito essa questãoda prática da homossexualidade, mas eu te respeito como amigo, na boa." Éassim que devemos conviver. Esperamos não haja mais violência ediscriminação no nosso País. Vamos conviver dentro do PT, dentro doCongresso, de forma tranqüila. O Papa Bento, em sua música, que émaravilhosa e que já estamos ensaiando na nossa cidade, coloca o respeito àdiversidade, Senadora. Vai haver inclusive coros, bandeira do arco-írisetc. Pedimos respeito à diversidade na Igreja. Nem vou citar aqui algunsversículos selecionados por nossa assessoria. Vamos viver harmonicamente ediscutir dessa forma legal, sem baixaria, sem baixar o nível, sempre paracima. É isso que queremos. Eu estou falando em nome da ABGLT. Se algum grupo, isoladamente,alguma pessoa estiver falando, não estará falando por 203 (duzentos e três)organizações brasileiras. Pode haver algum excesso de alguns militantes,mas a nossa posição oficial é de diálogo aberto. Se precisar de apoio,apoiaremos, mas dentro do limite aí da laicidade e respeitando asreligiões. Tenho o maior apreço pelas religiões. E as considerofundamentais em nosso País. Muito obrigado, Senadora, mas tenho que me retirar. Tenho que irrápido para o aeroporto. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Obrigada Toni. Eu só queria fazer um registro. Nessa rápida convivência com omovimento, com a pessoa do Tony, que eu não conhecia, estou aprendendobastante. Acabei de ter mais uma lição aqui hoje. Concedo a palavra ao Pe. Cláudio. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Tenho também que me ausentar em maisalguns minutos devido a compromissos. O que nós conversamos aqui é publicado por alguma imprensa falada ouescrita? A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Estamos gravando areunião. O SR. CLÁUDIO ANTONIO DELFINO - Eu já entrei mal uma vez aqui portratar temas polêmicos de modo muito aberto, muito tranqüilo, e depois serpublicado em jornal em nome da CNBB. Isso repercute no Brasil todo, mas,pelo nosso regimento interno, apenas os bispos podem se pronunciar em nomeda entidade. Vim aqui como assessor nacional, mas não posso publicamente memanifestar. Como eu sabia que seria um debate interno, aqui, então, mesenti à vontade de dizer. Mas peço a gentileza, se alguém vai publicaralguma coisa aqui, que não publique em nome da CNBB, em meu nome. Gostariade fazer esse registro. Para concluir, considerei muito interessante a sua fala. Talvez tenhaque esclarecer. Nós não somos contra o acesso à educação de nenhuma pessoa.Todos têm o direito à educação, mas o Seminário é uma questão específicanossa, inclusive com legislação própria. Se em um determinado momento seconclui objetivamente que existe a pessoa ali que vive a opção dela,respeitamos, mas, ao mesmo tempo em que respeitamos essa opção, tambémqueremos zelar por aquilo que acreditamos. E repito, nós nunca fomoscontra, meu Deus, à educação dada às pessoas. Só para deixar claro issoaqui. Mas a questão é que depois, mais tarde... O senhor é casado, deve terseus filhos e é triste demais, como já disse, o que aconteceu nos EstadosUnidos. Imagine um padre, e infelizmente aconteceu e acontece no mundoafora, no Brasil também, aproveitar-se de uma criança, que é inocente,pobrezinha, que não tem como se defender. A criança, com a maior das boasintenções, se aproxima do padre, que é uma pessoa que para ela representamuita coisa, e depois, no fim, ele, que tem sua opção definida, aproveita,imagine, de seu filho ou de sua filha. Isso é uma coisa que chocaprofundamente. Por isso, tentamos resolver o problema que nos apresentaclaramente nos Seminários, que é um lugar onde a vida aflora, a pessoa quetem tendência ali aflora devido à convivência. Repito, procuramos resolvercom bom-senso, com caridade. Nunca, que eu me recorde, uma pessoa foicolocada para fora com desrespeito, com sua imagem denegrida. Pelocontrário, quando dispensamos alguém, ao chegarmos a essa conclusão,fazemos isso pessoalmente e a opção de dizer ou não o motivo fica a cargodela. Zelamos pelo bem da pessoa, independente da situação em que ela seencontra. Essa é a posição mais equilibrada possível. A pessoa, por serpessoa, deve ser respeitada sempre! Não deve ser desrespeitada por umaopção específica na vida. Agora, o ato da opção é outro ponto, como jádisse. Essas questões, como já foi dito pelo senhor, de fato, também nos dói.Vivi em São Paulo de 1992 até 2005. Na época dos skinheads, em São Paulo,eu estava lá presente, era seminarista. Presenciei o espancamento de umhomem homossexual por três ou quatro skinheads, todos carecas, com um montede tatuagens, com umas botas. Isso é muito triste. Não fico feliz em veruma coisa assim. O Estado, acima de tudo, deve garantir às pessoas odireito de ir e vir e o respeito que elas merecem pelo fato de serempessoas. Como o senhor já disse, temos que apresentar, quem sabe aqui,alternativas a tantas questões que ofendem atualmente a dignidade da pessoahumana de tantas formas em nossa sociedade. Não estamos com os olhosfechados aqui. Se esse debate fosse aberto para tantas outras questões,iríamos também tratá-las. Sou, no Brasil, responsável pela comissão que cuida da vida e dafamília e dói demais em todos nós quando a vida humana, a pessoa humana nafamília é desrespeitada de modo a se tornar quase que um objeto de prazerou de lucro, uma ponte para o outro subir e assim por diante. São questõesnas quais pensamos seriamente e tentamos resolver aquilo que está ao nossoalcance. Agradeço a oportunidade. Foi muito agradável, foi muito salutar aquicompartilhar de questões atuais, colaborando com a sociedade brasileira.Estamos pensando no bem da pessoa, repito, de todas as pessoas, como disseo nosso caro irmão Toni Reis, pelo simples fato de serem pessoas anterior aqualquer outra coisa. Uma pessoa por ser pessoa deve ser respeitada acimade qualquer outra situação. Dói muito quando, em Brasília, por exemplo,passo às 22h na rua atrás da Catedral e vejo homens e mulheres naprostituição. É degradante demais, é triste demais uma situação assim.Embora haja alternativas para isso, não são fáceis, mas temos que fazeralgo. Agradeço. Também devo me retirar, porque às 19h tenho um compromisso. Muito obrigado. A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Agradeço, Pe. Cláudio,Deputado Henrique, Dr. Ivair, Caio Varella, a todos os senhores, pporresponder ao nosso chamamento de vir aqui e se dispor à discutir, àdialogar e buscar o que eu não me canso de afirmar, o consenso. Isso é oque nós aqui estamos buscando: respostas para esses problemas da vida. Emmomento nenhum queremos adentrar o regimento de qualquer Igreja, mas existeuma situação, como o Dr. Ivair colocou aqui, uma realidade de uma certapopulação - que não é pequena, como disse o Dr. Caio, e também suspeitamosque seja muito maior que os números que temos - que não pode ser tratadacom descaso. É uma situação que ocorre na rua no dia-a-dia. O Movimento deMulheres, por exemplo, após 20 anos de luta, conseguiu com que a sociedadeentendesse que a violência praticada contra a mulher dentro de casa precisaser punida. Infelizmente, estamos em um país que, em função do quadrosocial, da baixa escolaridade, da falta de investimentos na cultura, naeducação, banaliza a violência, que a considera natural. Desnaturalizar aviolência, para mim, é o objetivo maior deste projeto de lei,desnaturalizar a violência e garantir, de fato, a cidadania para essaparcela da população. Como fazer isso de modo que toda a sociedade entendae não se sinta ofendida com o que esse grupo de trabalho se propõe a fazer? Agradeço aos senhores pela contribuição nesse momento. Muito obrigada. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - (Fala em off) A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - É a nossa obrigação.Devo muito desse esforço do diálogo ao movimento, que se dispôs a indicarpessoas. Queremos ter esse espaço aqui também como espaço informativo.Acabei de dar o testemunho a todos os senhores de um aprendizado. O que oSr. Toni falou aqui sobre opção e orientação foi o aprendizado desta tarde. O SR. HENRIQUE AFONSO (PT - AC) - (Fala em off) A SRª COORDENADORA (Fátima Cleide. PT - RO) - Esse é o nosso dever e anossa obrigação. Em função da semana que vem ser a Semana Santa, naturalmente umasemana esvaziada aqui no Congresso, queríamos marcar a próxima reunião dogrupo de trabalho para terça-feira. Vamos convidar outras pessoas. Gostaríamos também de recolher, o mais rápido possível, a indicação dequem da CNBB e da Frente poderá vir. É preciso outras rodadas denegociação, inclusive com a presença de outras organizações nacionais quetambém queiram fazer parte dessa discussão. Minha intenção é de realizarmos, na terça-feira seguinte, mais umarodada de debates. Muito obrigada a todos, em especial, à Assessoria aqui presente. (Encerra-se a reunião às 17 horas e 52 minutos.)
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